Postado às 16h40 | 18 Jun 2020
El País
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, deixou o Ministério da Educação nesta quinta-feira. O anúncio foi feito por ele próprio no Twitter. Antes de sair do posto, no entanto, Weintraub fez mais um dos gestos controversos que marcaram seu período na pasta. Revogou nesta quinta-feira uma portaria de 2016 —à época assinada pelo então ministro da Aloizio Mercadante (Governo de Dilma Rousseff)— que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação nas universidades federais. A decisão, publicada no Diário Oficial da União, sem justificativa para que fosse adotada, faz deixar de valer a determinação de Mercadante, que obrigava instituições federais de ensino superior a apresentarem um plano para a “inclusão de negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência em seus programas de pós-graduação (mestrado, mestrado profissional e doutorado), como políticas de ações afirmativas”.
Em nota, o ex-ministro Mercadante lamentou a revogação e afirmou que trata-se de mais uma demonstração de “falta de compromisso” do atual Governo “com o combate às desigualdades e discriminações raciais históricas” no Brasil. “Nem mesmo o inequívoco sucesso da política de cotas, aprovada durante minha gestão como ministro da Educação, em 2012, precedida de um longo debate no Congresso Nacional e aprovada pelo Supremo Tribunal Federal, foi capaz de convencer o obscurantismo bolsonarista de que políticas afirmativas são fundamentais para superarmos nosso triste passado de discriminações e exclusão educacional”, escreveu Mercadante.
A decisão de Weintraub foi publicada quando ele já sabia que esse poderia ser seu último dia à frente da pasta. Na quarta, o ministro agradeceu aos seus apoiadores, que dirigiram-se a ele em tom de despedida. “Só tenho uma certeza: se sair, fará uma grande falta e saíra como um homem, não como um traidor”, disse o federal Carlos Jordy (PSL-RJ). “Me faltam palavras...... ‘Combateu o bom combate, guardou a fé. A coroa da justiça lhe está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, lhe dará naquele Dia’. Siga de cabeça erguida, como o grande homem que é”, afirmou Carla Zambelli, deputada federal pelo PSL-SP.
Precisamente pela iminência da saída de Weintraub do Ministério, a revogação da portaria de políticas afirmativas foi lida pelo meio acadêmico como um “ato de agitação política”. “Na prática, as universidades mantêm sua autonomia, e nós temos o compromisso geral e permanente de inclusão”, disse ao EL PAÍS Gustavo Balduino, secretário-executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
“Há, no entanto, essa marca simbólica de um retrocesso, principalmente no dia em que perdemos Tomaz Aroldo da Mota Santos, o primeiro reitor negro do país”, acrescentou João Carlos Salles, reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ex-reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Santos faleceu nesta quinta-feira, aos 76 anos, em Belo Horizonte.
Para a União Nacional dos Estudantes (UNE), a medida de Weintraub é um “desrespeito ao Brasil”. “Ele não vai dar continuidade, está prestes a sair do cargo e simplesmente joga isso aí. Em seu mandato, não adotou nenhuma medida pela educação no país, só ajudou a desmontá-la”, lamenta Iago Montalvão, presidente da UNE. Ele acredita que o Ministério valeu-se de uma certa fragilidade institucional das cotas em pós-graduação, que não está amparada pela Lei de Cotas, válida até 2022, como acontece com a graduação. “Esse Governo sempre foi anti-cotas e sempre adotou políticas para sufocar a educação pública,”, acrescenta Montalvão.
A revogação das políticas afirmativas acontece depois de algumas derrotas do ministro Weintraub, como o adiamento do Enem, e a anulação da medida provisória, por parte do presidente Bolsonaro, no dia 12 de junho, que permitia que ele mesmo escolhesse os reitores das universidades públicas. “Ele quer cair atirando, quer criar um ambiente de caos político. Infelizmente, é nisso que o Ministério se transformou, em uma fábrica de crises”, afirma Flávia Calé, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).
Calé considera que Weintraub também aproveitou-se da fissura entre algumas universidades federais, que ainda têm resistência à política de cotas na pós-graduação, para publicar a portaria. O reitor João Carlos Carlos Salles, da UFBA, concorda. “É verdade que há resistências, porque, para manter o cotista na pós-graduação, você precisa de recursos próprios da universidade, então nem sempre é tranquilo. Mas, com disposição política, é possível manter essa política afirmativa”, diz.