Postado às 05h13 | 25 Jun 2020
El País
Frederick Wassef está uma pilha de nervos. Com livre trânsito nos bastidores do poder, ele se comporta ―ou se comportava― como o Sancho Pança de Jair Bolsonaro. Enquanto na frente das câmeras o presidente segue em sua luta quixotesca contra os moinhos de vento ―a “histeria” do coronavírus, os governadores, o PT, o comunismo e toda sorte de delírio―, o advogado agia fora dos holofotes para manter o controle das batalhas reais que acontecem nos tribunais. Até que a polícia bateu na porta de seu imóvel em Atibaia (SP), às seis da manhã da quinta-feira 18 de junho, e encontrou Fabrício Queiroz. O ex-policial movimentou cerca de três milhões de reais entre 2007 e 2018, segundo o Ministério Público do Rio, sob o comando do então deputado Flávio Bolsonaro, recolhendo parte dos salários de outros assessores ―fantasmas― e repassando o dinheiro para o chefe.
Wassef representava formalmente o senador no inquérito até o último domingo. Após umas primeiras declarações no dia da detenção, manteve um breve silêncio. Até que começou a dar sucessivas entrevistas no final de semana para alguns jornalistas. “Todos estão convictos hoje de que o Fred virou o alvo. Se bater no Fred atinge o presidente, eu e o presidente viramos uma pessoa só”, afirmou à CNN, sem explicar por que Queiroz estava na sua casa. Fez ilações, simulou mistério, falou em não antecipar estratégia de defesa. Disse que nunca falou com Queiroz, embora investigadores tenham constatado que ele estava escondido em sua casa há um ano. “Nunca telefonei para Queiroz, nunca troquei mensagem com Queiroz nem com ninguém de sua família. Isso é uma armação para incriminar o presidente”, assegurou ele ao jornal Folha de S. Paulo. Virou piada a pergunta por telefone da repórter Andrea Sadi, da TV Globo, no último sábado: “O Queiroz pulou o muro? Apareceu voando para casa do senhor?”.
Durante suas entrevistas ao vivo, as câmeras revelavam um homem agitado, como uma bomba prestes a explodir, apresentando versões desencontradas e confusas sobre os motivos de ter abrigado o ex-policial. Disse, por exemplo, que não sabia que Queiroz estava em sua casa no dia de sua detenção. “Soube algumas vezes que estava lá. É óbvio que tem risco [em abrigar Queiroz], mas essa é uma questão de natureza de saúde (...). Se eu permito que ali se acomodasse por proximidade ao local, por preservação, para que não ficasse exposto, não quer dizer que eu tenha tido contato ou qualquer irregularidade”, afirmou mais uma vez à CNN no domingo.
Depois de inúmeros rodeios, ainda tentou descolar o presidente do assunto. “Nunca, jamais, o presidente Jair Bolsonaro soube ou teve conhecimento desses atos, desses fatos. Essa é minha inteira responsabilidade. Eu omiti essas informações do presidente da República e do senador Flávio Bolsonaro”. Passou a dizer, então, que abrigou o ex-assessor por razões “humanitárias”, para que ele pudesse realizar um tratamento de saúde na região. E avisou que deixava o cargo de advogado de Flavio, informação depois confirmada pelo próprio senador, filho do presidente, em seu Twitter.
Se aos olhos do país Wassef se tornou mais um personagem surreal de uma surreal novela, o fato é que suas contradições podem acabar respingando no inquérito que tanto atormenta o presidente Jair Bolsonaro. Há evidências e registros de sobra da proximidade do advogado com o presidente. Um dia antes da operação policial que encontrou Queiroz em sua casa, Wassef se encontrava no Palácio do Planalto para a cerimônia de posse do novo ministro da Comunicação. Ele é conhecido por sua atuação discreta, nos bastidores, dos assuntos ligados ao presidente. Entre os mais importantes, era ele quem representava Bolsonaro nas investigações sobre o atentado a faca contra o então candidato às vésperas das eleições de 2018. Nos dias de apuração das urnas, se encontrava ao lado do atual presidente no sofá de sua casa. Fiel ao clã, acabou ganhando apelido de Anjo, que deu nome à operação da última quinta.
De acordo com a decisão do juiz Flávio Itabaiana Nicolau, havia uma ”rotina de ocultação do paradeiro de Queiroz que envolvia restrições em sua movimentação e em suas comunicações”. Ele era monitorado por “uma terceira pessoa” que, por sua vez, se reportava a um superior hierárquico referido como “Anjo” ―ou seja, Wassef. Chamou a atenção dos investigadores o fato de que o ex-policial recebia dinheiro de terceiros para se manter. O EL PAÍS tentou sem sucesso contactar o advogado.
Caso a versão do Ministério Público se confirme, Wassef mentiu em uma entrevista que concedeu em setembro de 2019 para a jornalista Andreia Sadi na Globo News. Ao ser questionado sobre o paradeiro de Queiroz, foi assertivo: “Não existe a frase o sumiço de Fabrício Queiroz. Eu não sei [onde ele se encontra], não sou advogado dele”. Depois, enfatizou que o ex-assessor havia, sim, comparecido ao Ministério Público. “Jamais deixou de comparecer a qualquer intimação ou chamada do poder público no Rio de Janeiro. Ele disse que jamais, que nunca, repassou um único centavo a Flávio Bolsonaro”, explicou.
No dia da detenção de Queiroz, na quinta-feira, 18, em sua live semanal no Facebook, o presidente Bolsonaro, que não é investigado no inquérito, opinou que a operação policial havia sido “espetaculosa” e tratou de explicar a presença na casa de seu advogado: “E por que estava naquela região de São Paulo? Porque é perto do hospital onde faz tratamento de câncer. Então, esse é o quadro. Da minha parte, está encerrado aí o caso Queiroz”. Wassef também adotou esse argumento, ao afirmar que Queiroz estava no local por causa da proximidade da Santa Casa de Bragança Paulista, onde o ex-policial faria o tratamento para um câncer de próstata.
De acordo com o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, conhecido por defender várias pessoas do universo político em processos criminais, todas essas declarações desencontradas podem trazer mais “complicações” no âmbito do inquérito. “Há uma pergunta óbvia. Por que Queiroz estava lá [na casa de Atibaia], quem efetivamente o protegeu e quem pagou por aquilo. A partir do momento que ele diz que não conhecia e que agora ele diz que escondeu por razões humanitárias, isso evidentemente pode trazer algumas complicações”, disse ao EL PAÍS.
Suas declarações já começam a causar estragos aos olhos do Planalto. Segundo publicou a jornalista Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo, o presidente Bolsonaro já teria afirmado a interlocutores estar irritado com Wassef. Ainda na quinta-feira da operação policial a advogada Karina Kufa divulgou uma nota afirmando que seu escritório de advocacia é o único representante do mandatário. “Wassef não presta serviço advocatício em nenhuma ação que seja parte de Bolsonaro e não faz parte do referido escritório”. De acordo com a coluna de Bela Megale, agora o advogado pressiona o presidente para que Kufa seja demitida. Irritado ou não, Bolsonaro vem se apresentando abatido diante das câmeras e com pouco fôlego para travar suas lutas diárias. No dia que Wassef deixou de representar Flávio, o senador destacou o trabalho e a lealdade do advogado. Não há sinais, por ora, de que será jogado aos leões.