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Voo cego e sem rumo

Postado às 10h28 | 02 Dez 2020

Estado

Mais inquietante que a piora das contas públicas, confirmada mês a mês por dados oficiais, é a indefinição do governo quanto a políticas de ajuste e de sustentação do crescimento. Ninguém consertará em um ano uma dívida igual ou superior a 95% do Produto Interno Bruto (PIB), mas nenhum roteiro de reconstrução econômica foi apresentado pela administração federal. É inútil cobrar do presidente qualquer esclarecimento, porque o assunto, como quase todos os temas ligados ao ato de governar, está obviamente fora de suas preocupações. Mas quem dará uma resposta, se nem sobre o Orçamento de 2021 há um acordo mínimo entre as autoridades?

Com ou sem estratégia governamental, os fatos seguem seu curso, e em quatro semanas acabará um dos anos mais desastrosos da história brasileira. O ano terminará, mas seus efeitos continuarão – e tanto piores, provavelmente, quanto menos planejado for o rumo da política econômica. Os números já divulgados dão ideia de como será o balanço de 2020.

Estropiadas pela pandemia, as contas públicas acumularam déficit de R$ 919,46 bilhões de janeiro a outubro, valor correspondente a 15,37% do PIB. Em um ano o rombo quase triplicou. Nos dez meses correspondentes de 2019 o déficit geral, de R$ 337,56 bilhões, havia sido equivalente a 5,65% do PIB, segundo relatório do Banco Central (BC).

Esse resultado resume o balanço mais amplo dos três níveis de governo e das estatais, excluídas Petrobrás e Eletrobrás. A soma inclui o custo dos juros. O valor geral corresponde, no jargão das finanças públicas, ao saldo nominal.

Excluídos os juros, obtém-se o resultado primário, correspondente ao saldo de receitas e despesas não financeiras, típicas do dia a dia da administração. O saldo primário do setor público, no período de janeiro a outubro, foi um déficit de R$ 632,97 bilhões, soma equivalente a 10,58% do PIB. O governo central acumulou nos dez meses saldo negativo de R$ 680,21 bilhões.

Dois dos componentes desse conjunto, o Tesouro Nacional e o BC, foram superavitários, mas o resultado final foi determinado pelo déficit de R$ 252,38 bilhões do INSS. O resultado primário do setor público foi ainda atenuado pelos saldos positivos de governos subnacionais e de estatais.

O buraco das contas públicas foi ocasionado, neste ano, principalmente pelas ações de enfrentamento da pandemia e por medidas de apoio à atividade e às famílias mais vulneráveis. Pelas contas do Tesouro, até outubro as ações de resposta à pandemia consumiram R$ 468,9 bilhões. Além dos gastos extraordinários e das facilidades fiscais, em parte já revertidas, também a baixa da atividade afetou a receita pública.

Pelos cálculos do Tesouro, de janeiro a outubro o governo central arrecadou R$ 1,17 trilhão, 11,2% menos que no ano anterior, descontada a inflação. A receita de outubro, de R$ 153,57 bilhões, foi, no entanto, 9,6% maior que a de um ano antes. A receita fiscal tem refletido a reação econômica iniciada em maio, depois da forte contração de março-abril. Com a retomada parcial da atividade, a arrecadação tributária tem melhorado. Além disso, impostos e contribuições diferidos no pior momento já estão sendo regularizados. Mas a recuperação, na atividade e no recolhimento de tributos, é ainda parcial.

O PIB deste ano deve ser 4,5% menor que o de 2019, segundo as projeções correntes no mercado e no setor público. O déficit primário do governo central deve chegar a R$ 844,3 bilhões, ou 11,7% do PIB, pelas novas estimativas do Tesouro. A dívida bruta do governo geral atingiu em outubro R$ 6,57 trilhões, 90,7% do PIB, com alta de 0,2 ponto porcentual em um mês. Em dezembro deverá estar em 95% do PIB, segundo cálculos correntes, e nos anos seguintes poderá superar 100%.

O financiamento dessa dívida poderá ficar complicado, se aumentar a insegurança em relação à política fiscal, e toda a economia será prejudicada. É urgente uma sinalização do governo a respeito de como pretende cuidar de suas contas e da atividade a partir de 2021. Já faz muita falta um plano de voo.

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