Postado às 04h56 | 04 Dez 2020
BBC Brasil
Uma equipe de repórteres da BBC analisou algumas das informações falsas sobre vacinas mais amplamente compartilhadas nas redes sociais — tudo, desde supostas tramas para colocar microchips em pessoas até a suposta reengenharia de nosso código genético.
O medo de que uma vacina seja capaz de mudar de alguma forma o DNA das pessoas é algo regularmente compartilhado nas redes sociais.
A BBC perguntou a três cientistas independentes sobre o assunto. Eles responderam que a vacina contra o coronavírus não alteraria o DNA humano.
Algumas das vacinas recém-criadas, incluindo a agora aprovada no Reino Unido e desenvolvida pela Pfizer/BioNTech, usam um fragmento do material genético do vírus — ou RNA mensageiro.
"Injetar RNA em uma pessoa não mexe em nada no DNA de uma célula humana", explica o professor Jeffrey Almond, da Universidade de Oxford, do Reino Unido.
A vacina funciona dando instruções ao corpo para produzir uma proteína que está presente na superfície do coronavírus.
O sistema imunológico então aprende a reconhecer e produzir anticorpos contra o vírus.
Esta não é a primeira vez que alegações de que uma vacina contra o coronavírus supostamente altera o DNA ganham força. Investigamos um vídeo popular divulgando a teoria em maio.
Algumas postagem apontavam que a tecnologia da vacina de RNA mensageiro (mRNA) "nunca foi testada ou aprovada antes".
É verdade que nenhuma vacina de mRNA foi aprovada até então, mas vários estudos com medicamentos desse porte foram testados em humanos nos últimos anos. E, desde o início da pandemia, a vacina foi testada em dezenas de milhares de pessoas em todo o mundo e passou por processos de aprovação de segurança.
Como todas as novas vacinas, ela deve passar por verificações de segurança rigorosas antes de ser recomendada para uso generalizado.
Nos ensaios clínicos de fase 1 e fase 2, as vacinas são testadas em um pequeno número de voluntários para verificar se são seguras e determinar a dose certa.
Nos testes de fase 3, as imunizações são testadas em milhares de pessoas para verificar a eficácia. O grupo que recebeu a vacina e um grupo de controle que tomou placebo são monitorados de perto para quaisquer reações adversas, como efeitos colaterais. O monitoramento de segurança continua após a vacina ser aprovada para uso.
A seguir, uma teoria da conspiração que se espalhou pelo mundo.
Ele afirma que a pandemia de coronavírus é uma cortina de fumaça para um plano de implante de microchips rastreáveis nas pessoas. O cofundador da Microsoft, Bill Gates, estaria por trás do plano.
Não existe um "microchip" de vacina e não há evidências que sustentem as alegações de que Bill Gates esteja planejando isso no futuro
A Fundação Bill e Melinda Gates disse à BBC que a teoria é "falsa".
Os rumores se espalharam em março, quando Gates disse em uma entrevista que eventualmente "teremos alguns certificados digitais" que seriam usados para mostrar quem se recuperou, foi testado e, finalmente, quem recebeu a vacina. Ele não fez menção aos microchips.
Isso levou a um artigo amplamente compartilhado com o título: "Bill Gates usará implantes de microchip para combater o coronavírus."
O artigo faz referência a um estudo, financiado pela fundação do bilionário, sobre uma tecnologia que poderia armazenar os registros da vacina de uma pessoa em uma tinta especial administrada com uma injeção.
No entanto, a tecnologia não é um microchip e é funciona mais como uma tatuagem invisível. Ela ainda não foi implementado, não permitiria que pessoas fossem rastreadas e informações pessoais não seriam inseridas em um banco de dados, diz Ana Jaklenec, cientista envolvida no estudo.
O bilionário fundador da Microsoft foi objeto de muitos falsos rumores durante a pandemia.
Ele foi visado por causa de seu trabalho filantrópico em saúde pública e desenvolvimento de vacinas.
Apesar da falta de evidências, em maio, uma pesquisa do YouGov com 1.640 pessoas apontou que 28% dos americanos acreditavam que Gates queria usar vacinas para implantar microchips em pessoas. O percentual crescia para 44% entre os seguidores do Partido Republicano, de Donald Trump.
Também há teorias de que as vacinas contêm tecido pulmonar de fetos abortados. Essa teoria também é falsa.
"Não há células fetais usadas em qualquer processo de produção de vacina", explica Michael Head, da Universidade de Southampton, no Reino Unido.
Um vídeo em particular postado em uma das maiores páginas antivacinas do Facebook aponta que um estudo sobre a vacina desenvolvida pela AstraZeneca e pela Universidade de Oxford mostrava o uso desse tecido.
Mas a interpretação do narrador do vídeo está errada: o estudo citado explorou como a vacina reagiu quando introduzida em células humanas em um laboratório, e não que havia tecido de fetos abortados no desenvolvimento do medicamento.
A mentira pode ter surgido porque há uma etapa no processo de desenvolvimento de uma vacina que usa células cultivadas em laboratório, que são descendentes de células embrionárias que de outra forma teriam sido destruídas. A técnica foi desenvolvida na década de 1960, e nenhum feto foi abortado para ser ser utilizado nesta pesquisa.
Muitas vacinas são feitas desta forma, explica David Matthews, da Universidade de Bristol, acrescentando que quaisquer vestígios das células são completamente removidos da vacina, "com padrões excepcionalmente elevados".
Os desenvolvedores da vacina na Universidade de Oxford dizem que trabalharam com células clonadas, mas essas células "não são células de bebês abortados".
As células funcionam como uma espécie de fábrica. Ela cria uma forma muito enfraquecida do vírus que foi adaptada para funcionar como uma vacina.
Mas, embora o vírus enfraquecido seja criado a partir dessas células clonadas, esse material celular é removido quando o vírus é purificado, e não é usado na vacina.
Um dos questionamentos bastante compartilhado nas redes sociais é sobre o qual o motivo da necessidade de uma vacina se a chance de morte por covid-19 é tão pequena.
Um meme compartilhado por pessoas que se opõem à vacinação colocou a taxa de recuperação da doença em 99,97% e sugeriu que ser infectado por covid-19 é uma opção mais segura do que tomar uma vacina.
Para começar, o número referido no meme como "taxa de recuperação" — o que implica que são pessoas que contraíram o vírus e sobreviveram — não é correto.
Cerca de 99% das pessoas que pegam covid sobrevivem, diz Jason Oke, estatístico da Universidade de Oxford.
Portanto, cerca de 100 pessoas por grupo de 10 mil infectados vão morrer — muito mais do que três em 10 mil, conforme sugere o meme.
No entanto, Oke acrescenta que "em todos os casos os riscos dependem muito da idade e não levam em consideração a morbidade de curto e longo prazo da covid-19".
Não se trata apenas de sobrevivência. Para cada pessoa que morre, há outras que sobrevivem, mas passam por cuidados médicos intensivos. Também há aquelas que sofrem com sequelas duradouras.
Isso pode contribuir para um serviço de saúde sobrecarregado, cheio de pacientes com covid, competindo com os recursos limitados de um hospital que trata pacientes com outras doenças e lesões.
Concentrar-se na taxa de mortalidade geral, ou dividir a aplicação de uma vacina em um ato individual, perde o sentido da vacinação, diz o professor Liam Smeeth, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. "A vacinação deve ser vista como um esforço da sociedade para proteger os outros, diz ele.
"No Reino Unido, a pior parte da pandemia, o motivo do lockdown, ocorre porque o serviço de saúde ficaria sobrecarregado. Grupos vulneráveis como idosos e doentes em lares de idosos têm uma chance muito maior de adoecer gravemente se contraírem o vírus,", explica.