Postado às 05h40 | 17 Jun 2020
A tensão acompanha a política nacional. Senão vejamos o indigesto “cacharolete” (cocktail) de pré-crises institucionais no país.
Ao tentar “interferir” nas Universidades, o governo “esticou a corda” e o Congresso devolveu a MP ao executivo.
O artigo 207 da Constituição é claríssimo: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa, de gestão financeira, patrimonial ...”.
A intenção do Ministro da Educação seria nomear Reitores, no estilo da “desmontagem”, que ocorre no Ministério da Saúde.
Entretanto, as instituições universitárias têm o poder de criar suas próprias regras para a escolha de reitores, a partir de eleições com a participação de professores, funcionários, estudantes e a elaboração de listas tríplices.
Na sucessão de tensões, o debate esquentou no inquérito das “fakes news”, com a prisão, a pedido da PGR, da ativista Sara Winter, de extrema direita. “Fakes” significam histórias falsas, com aparência de notícias jornalísticas, criadas para influenciar posições políticas.
Os que se opõem a investigação, alegam ofensa à liberdade de expressão.
O relator da matéria no STF, esclareceu que o sistema constitucional protege a liberdade de expressão, mas prevê também, a apuração de responsabilidades em excessos cometidos e que “ não há direito no abuso de direito”.
Outro fator de tensão política é a insistente “repetição” de “mantra”, segundo o qual o artigo 142 da Constituição autorizaria a intervenção das Forças Armadas, no enfrentamento do Congresso e do STF.
Na prática, seria a ressurreição, em pleno século XXI, do “poder moderador”, definido no artigo 98, da Constituição do Império de 1824.
No século XIX, o pensador liberal francês Alexis de Tocqueville analisou a perigosa relação entre “juristas oportunistas” e o poder.
Segundo ele, sempre existem “legisladores” disponíveis, para regular e coordenar “vontades arbitrárias”, em nome da Democracia. Hitler usou o artigo 48 da Constituição de Weimer, para implantar a ditadura nazista.
No Brasil há exemplos como Francisco Campos e Medeiros Silva, que redigiu a Constituição ditatorial do Estado Novo.
O mesmo fez Gama e Silva, ministro da Justiça (1968), que ao propor várias medidas autoritárias, entre elas o famigerado Ato Institucional nº 5, até o general Lyra Tavares, então ministro do Exército, reagiu dizendo: “assim, não, Gama; você desarruma a casa toda”.
O vice-presidente Pedro Aleixo negou-se a apoiar o AI 5 e foi execrado, impedido de assumir a Presidência, na vacância de Costa e Silva.
O ministro Luiz Fux definiu o significado do artigo 142, classificando como “limitado” o poder do Presidente da República na chefia das Forças Armadas e que não é permitida a sua utilização para ‘indevidas “intromissões” no funcionamento dos outros poderes. Nos Estados Unidos, a regra é a mesma, acrescida da restrição de que militares só possam assumir o cargo de Secretário de Defesa (nosso Ministro da Defesa), obedecida a quarentena de sete anos de afastamento da ativa.
Logo após o pronunciamento do STF, o governo mandou, em tom de intimidação, o “recado” ao STF, de que as Forças Armadas não aceitarão “ordens absurdas”.
O argumento é verossímil, desde que a não aceitação seja formulada, através do “devido processo legal”.
O calcanhar de Aquiles é saber “quem iria “classificar e julgar” as “ordens absurdas”. No Estado democrático, o guardião do texto constitucional é o STF, que tem a competência de acertar, ou errar, por último (artigo 102).
A vocação primária das Forças Armadas, que gozam de boa reputação no país, é a defesa externa e o afastamento das questões políticas internas.
A propósito, convém registrar gestos recentes de militares americanos.
O general Mark A. Milley, o oficial mais graduado das Forças Armadas, pediu desculpas ao povo, por ter comparecido a ato político, ao lado do Presidente Trump e ter dado a impressão de que os militares participam de política interna.
O ex-secretário da defesa de Trump, o general Jim Mattis, acusou-o de abuso de poder. O secretário de Defesa, Mark Esper e outros militares, rechaçam duramente a militarização de Trump, na resposta aos atuais protestos raciais.
Diante de tais exemplos, só resta lembrar, que o artigo 142 da nossa Constituição é cópia da Constituição americana.