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The Economist: A inflação vai voltar depois da pandemia?

Postado às 03h39 | 17 Dez 2020

Os economistas adoram discordar, mas quase todos concordam que a inflação acabou. A premissa da inflação baixa está embutida nas políticas econômicas e nos mercados financeiros. É por isso que os bancos centrais podem cortar as taxas de juros para quase zero e comprar montanhas de títulos do governo. A inflação baixa também explica por que os governos conseguiram entrar numa farra épica de gastos e empréstimos para salvar a economia da devastação pandêmica – e por que os 125% do PIB de dívida pública do mundo rico mal suscitam preocupação. A busca por rendimento impulsionou o índice de ações S&P 500, de Nova York, para novas altas, mesmo com mais de 100 mil americanos hospitalizados com covid-19. A única maneira de justificar essa alta no mercado de ações seria esperar uma recuperação econômica forte, mas sem inflação, a partir de 2021.

No entanto, um grupo cada vez mais eloquente de dissidentes pensa que o mundo pode sair da pandemia para uma era de inflação mais alta. Seus argumentos não chegam a ser arrebatadores, mas também não são vazios. Mesmo uma pequena probabilidade de enfrentar um aumento da inflação é preocupante, porque o estoque da dívida está muito grande e os balanços dos bancos centrais estão inchados. Em vez de ignorar o risco, os governos precisam agir agora para se protegerem dessa possibilidade.

 

 

Nas décadas desde que Margaret Thatcher alertou sobre o ciclo vicioso de preços e salários que ameaçava “destruir” a sociedade, o mundo rico passou a tomar a inflação baixa como algo natural. Antes da pandemia, nem mesmo um mercado de trabalho extremamente apertado conseguiu elevar os preços, e agora há exércitos de pessoas desempregadas. Muitos economistas acham que o Ocidente, especialmente a zona do euro, está seguindo o caminho do Japão, que caiu em deflação na década de 1990 e desde então tem lutado para elevar os aumentos de preços acima de zero.

Prever o fim dessa tendência é uma espécie de apostasia. Depois da crise financeira, alguns falcões alertaram que a compra de títulos pelos bancos centrais (conhecida como flexibilização quantitativa, ou QE, na sigla em inglês) iria reacender a inflação. Ficaram com cara de bobo.

Mas hoje os argumentos dos inflacionistas estão mais fortes. Um risco é de uma explosão temporária da inflação no ano que vem. Em contraste com o período que se seguiu à crise financeira, amplas medidas para oferta de moeda dispararam no mundo rico em 2020, uma vez que os bancos vêm emprestando livremente. Presas em casa, as pessoas não conseguiram gastar todo o seu dinheiro e seus saldos bancários aumentaram. Mas, uma vez vacinados e libertados da tirania do Zoom, os consumidores mais exuberantes podem entrar numa onda de gastos que venha a superar a capacidade das empresas de restaurar e expandir sua oferta, fazendo com que os preços subam. A economia global já mostra sinais de gargalos. O preço do cobre, por exemplo, está 25% superior ao do início de 2020.

O mundo deveria ser capaz de administrar essa explosão temporária de inflação. Mas o segundo argumento inflacionista é que surgirão também pressões de preços mais persistentes, à medida que as forças desinflacionárias estruturais forem revertidas. No Ocidente e na Ásia, muitas sociedades estão envelhecendo, gerando escassez de trabalhadores. Durante anos, a globalização baixou a inflação, criando um mercado mais eficiente para bens e trabalho. Agora, a globalização está batendo em retirada.

O terceiro argumento dos inflacionistas é que os políticos e as autoridades são complacentes. O Federal Reserve diz que quer que a inflação ultrapasse sua meta de 2% para compensar o terreno perdido; o Banco Central Europeu ainda pode seguir o mesmo rumo. Sobrecarregados pela necessidade de pagar pelo envelhecimento da população e pelos cuidados de saúde, os políticos preferirão cada vez mais os grandes déficits orçamentários.

Esses argumentos estão corretos? É perfeitamente possível uma subida temporária da inflação no ano que vem. No início, seria algo bem-vindo – um sinal de que as economias estavam se recuperando da pandemia. E inflacionaria uma modesta quantia de dívidas. Os formuladores de políticas poderiam até respirar aliviados, especialmente no Japão e na zona do euro, onde os preços estão caindo (embora mudanças rápidas no padrão de gastos do consumidor possam ter confundido as estatísticas).

As chances de um período de inflação mais sustentado continuam baixas. Mas, se os bancos centrais tiverem de aumentar as taxas de juros para impedir que os aumentos de preços fujam do controle, as consequências podem ser graves. Os mercados iriam desabar e as empresas endividadas, vacilar. Mais importante, o custo total das contas vastamente expandidas do estado – tanto a dívida dos governos quanto os passivos dos bancos centrais – ficaria alarmantemente exposto. Para entender o porquê, é necessário examinar como eles estão organizados.

Apesar de toda a conversa sobre “travar” as baixas taxas de juros de longo prazo, o segredo sujo dos governos é que eles têm feito o oposto: estão emitindo dívidas de curto prazo, apostando que as taxas de juros de curto prazo permanecerão baixas. O prazo médio dos títulos do Tesouro americano, por exemplo, caiu de 70 para 63 meses. Os bancos centrais têm feito uma aposta semelhante. Como as reservas que eles criam para comprar títulos têm uma taxa de juros flutuante, elas são comparáveis a empréstimos de curto prazo. Em novembro, o órgão fiscal da Grã-Bretanha alertou que uma combinação de nova emissão com QE deixara os custos do serviço da dívida do estado duas vezes mais sensíveis às taxas de curto prazo do que eram no início do ano, e quase três vezes mais do que em 2012.

Então, embora a probabilidade de um surto inflacionário possa ter aumentado apenas um pouco, suas consequências podem ser muito piores. Os países precisam se proteger contra esse risco, reorganizando seus passivos. Os governos devem financiar o estímulo fiscal emitindo dívida de longo prazo. A maioria dos bancos centrais deve iniciar uma reversão ordenada da QE e afrouxar a política monetária, deixando as taxas de juros de curto prazo negativas. Os ministérios das finanças devem incorporar os riscos assumidos pelo banco central em seus orçamentos (e a zona do euro precisa encontrar uma ferramenta melhor do que a QE para reorganizar as dívidas de seus estados-membros). Encurtar o vencimento das dívidas do estado – como em 2020 – deve ser apenas um último recurso e não pode se tornar a principal ferramenta de política econômica.

Em louvor à naftalina

Os inflacionistas provavelmente estão errados. Até o arquimonetarista Milton Friedman, que inspirou Thatcher, admitiu já no fim da vida que o vínculo de curto prazo entre a oferta de moeda e a inflação havia se rompido. Mas a pandemia de covid-19 mostrou a importância da preparação para eventos raros, mas devastadores. O retorno da inflação não deve ser exceção.

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