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Supremo encara sua cisão em julgamento sobre libertação de líder do PCC nesta quarta

Postado às 04h39 | 14 Out 2020

El País

A libertação do traficante internacional de drogas e líder da facção criminosa PCC André de Oliveira Macedo, o André do Rap, reforçou a cisão entre dois grupos de ministros do Supremo Tribunal Federal, divididos entre os “punitivistas” e os “garantistas”. O primeiro, encabeçado pelo presidente da Corte, Luiz Fux, defende a imposição de penas maiores aos condenados e se inclina à reclusão ―ala é acusada de levar demasiado em conta o impacto que suas decisões causam na opinião pública. O segundo, neste caso representado pelo agora decano Marco Aurélio Mello, na maioria das vezes diz estar seguindo o princípio da presunção de inocência dos réus e faz uma leitura estrita da legislação. No centro do novo round desse racha está um processo que deve ser analisado pelo plenário da Corte na tarde desta quarta-feira, o do André do Rap, tido como líder da facção PCC, com duas condenações judiciais e considerado o chefe do tráfico na Baixada Santista.

De olho em suas divisões internas e também nos limites dos poderes de cada ministro e do presidente do tribunal, a Corte analisará a suspensão de uma liminar assinada por Fux. No sábado, André do Rap deixou a penitenciária de Presidente Venceslau (SP) pela porta da frente por conta de uma decisão liminar em habeas corpus assinada por Marco Aurélio. O ministro entendeu que o tempo de prisão preventiva contra ele era exagerado e infringia o artigo 316 do Código de Processo Penal, recentemente alterado pelo pacote anticrime, que exige que o magistrado responsável pelo caso deveria reanalisar a detenção a cada 90 dias, o que não ocorreu neste processo. No mesmo dia, à noite, Fux cassou a liminar e intensificou esse confronto público.

“A situação no STF é muito conflitiva. A libertação de um criminoso como esse deixa a opinião pública sensível. Para a mídia, ela se coloca como inaceitável. Mas a Justiça tem um papel contramajoritário, de fazer com que a lei seja cumprida”, avaliou o sociólogo Rodrigo Ghiringhelli Azevedo, professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

O clima acirrado do julgamento deste caso deverá marcar a estreia de Marco Aurélio como o decano da Corte. Será a primeira sessão sem Celso de Mello, que, depois de 31 anos se aposentou do Supremo. Para o advogado criminalista Fernando Parente, Fux foi “justiceiro”, e não juiz, ao decidir cassar a decisão do decano. “Ele jogou para a galera e expôs o colega de uma maneira completamente deselegante. Acabou tomando uma decisão política”, avaliou. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também saiu em defesa de Marco Aurélio e alegou que o ministro apenas seguiu a lei aprovada no ano passado e que está em vigor desde janeiro deste ano, no âmbito do pacote anticrime.

Logo depois de sua decisão ser derrubada, Marco Aurélio deu declarações de contrariedade. Ao site Consultor Jurídico, afirmou que o presidente da Corte estava contribuindo para uma “autofagia”, que ela “descredita o Supremo” e que há uma tentativa de responder aos anseios populares em uma “busca desenfreada por justiçamento”. Segundo ele, “não estava em jogo a periculosidade do paciente”, mas se a prisão era ilegal ou não.

Um magistrado com acesso ao Supremo consultado pela reportagem disse que neste caso deveria, sim, ser analisado o histórico criminal de André do Rap. “Se você segue o princípio que o juiz interpreta a lei e não estuda processo como um todo, então é melhor pegar um robô para julgar”, disse o juiz em caráter reservado. “Não estamos falando de um traficante mirim, mas de um líder de uma das maiores facções criminosas do mundo, o PCC”.

Até o dia 2 de outubro, quando o decano tomou sua decisão, o traficante tinha duas condenações em segunda instância que totalizam 25 anos de prisão. Mas, como em ambas ainda cabia recurso, ele estava recorrendo em liberdade, até que acabou preso em setembro do ano passado. Ainda assim, Marco Aurélio entendeu que ele não poderia ser considerado culpado pois não houve o trânsito em julgado, que é quando não cabem mais recursos. Nesta terça-feira, o Superior Tribunal de Justiça rejeitou um dos recursos de André do Rap e manteve a condenação de 15 anos de prisão por tráfico internacional de drogas.

Até o momento, tanto a decisão de Fux quanto a confirmação do STJ não surtiram efeitos práticos. A polícia de São Paulo diz que, no mesmo dia em que foi libertado, o líder do PCC viajou em um jatinho particular para fora do país, provavelmente para o Paraguai. Quando André do Rap foi preso, em setembro do ano passado, ele estava em uma mansão em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro. Com ele foram apreendidos dois helicópteros e uma lancha de luxo. Juntos, esses veículos têm o valor estimado em 18 milhões de reais. As investigações apontaram que ele comandava o esquema de envio de cocaína para a Europa por intermédio do Porto de Santos.

Histórico de libertações e a PEC

A soltura de André do Rap não foi a primeira assinada por Marco Aurélio sob o mesmo argumento de que o prazo para a prisão preventiva, sem uma sentença condenatória, era exagerado e sem fundamentação. Um levantamento do portal G1 mostrou o decano assinou outras 79 decisões como essa e rejeitou outros 68 pedidos.

Entre os que foram beneficiados por Marco Aurélio, está Jefferson Moreira da Silva, conhecido como Dente. É considerado o braço-direito de André do Rap e foi preso junto com ele em setembro de 2019 em Angra dos Reis. Em junho, o ministro concedeu uma liminar a favor de Dente. Mas a Primeira Turma do Supremo a cassou. Ele não chegou a ser solto, segundo o advogado Anderson Domingues, defensor do criminoso, porque possuía outras condenações. Atualmente, Dente está no presídio de Avaré (SP).

Se no Judiciário o clima é de embate, na Câmara dos Deputados há uma busca por um consenso para se colocar em votação a proposta de emenda constitucional que trata da prisão após condenação em segunda instância. O autor da PEC, Alex Manente (Cidadania-SP), e o relator dela, Fábio Trad (PSD-MS), tentam convencer o presidente da Casa a reinstalar a Comissão Especial da PEC da Segunda Instância para este mês. Ela está paralisada desde março, por causa da pandemia de coronavírus.

A ideia é votar a proposta no colegiado até meados de novembro e no plenário ainda em 2020. Um dos empecilhos para esse intento é a falta de proatividade da base governista. “Vejo inação por parte do Governo Jair Bolsonaro, que não tem colaborado para essa PEC avançar”, reclamou Trad.

A PEC tem como objetivo principal impedir que réus que foram condenados por um colegiado de juízes, os tribunais, sigam recorrendo em liberdade. E que passem a cumprir suas penas imediatamente após a condenação após a segunda instância. Ela é polêmica, já que há quem defenda que a presunção de inocência até o trânsito em julgado é uma cláusula pétrea, ou seja, que não pode ser alterada por uma emenda constitucional.

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