Postado às 09h59 | 01 Abr 2020
Dirigente da maior cidade e epicentro da contaminação de coronavírus no país, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), pede à população da cidade que não ouça o que diz o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a necessidade de isolamento social dos que podem ficar em casa, para evitar uma tragédia. “Se as pessoas forem seguir os conselhos do presidente, que não tem nenhuma base científica, a situação em São Paulo vai explodir como em Milão”, alerta o prefeito. Ele admite faltar testes da convid-19 na cidade onde já morreram oficialmente 121 pessoas e também haver subnotificação de óbitos, por causa da lentidão de resultados de testes. Há pelo menos duas semanas, ele levou a cama de casa para o espaçoso gabinete na sede da prefeitura, no centro da capital paulista, lugar onde passou a morar com o filho de 14 anos.
A OMS recomenda testar agressivamente, rastrear e isolar o maior número possível de casos de COVID-19. Por que isso não está ocorrendo em São Paulo, cidade com o maior número de infectados no país até agora?
Estamos focando naquilo que a Vigilância Sanitária aqui coloca, que é testar as pessoas suspeitas. Se a gente tivesse 10 milhões de testes, a gente faria em toda população da cidade. Temos que nos concentrar naquilo que a gente consegue fazer. O governo federal anunciou uma grande compra, mas ainda não chegou. Testamos algo em torno de 20 mil pacientes, aguardamos a chegada de mais 100 mil testes, a partir de 10 de abril.
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Alguma expectativa de chegada dos testes do governo federal?
A gente aguarda, prazo são eles que devem dar.
O sr. determinou o fechamento do comércio até a próxima terça. Esta medida será renovada?
Esta é uma doença que nem São Paulo, nem o mundo sabe ao certo o comportamento dela. Todo dia a gente tem novos números que vão nos orientando. Isso será resolvido provavelmente de véspera ou antevéspera.
Devemos estar preparados para uma crise de quanto tempo?
Estamos preparados para enfrentar mais três ou quatro meses. Hoje anunciei um programa de apoio aos catadores e já tem recurso reservado para os próximos três meses.
A postura do presidente Bolsonaro perante o coronavírus tem ajudado ou atrapalhado?
Tem atrapalhado. Fazemos aqui o que apontam os médicos, cientistas e pesquisadores. Você sabe o que significa em meu currículo, como prefeito, fechar o parque do Ibirapuera, um cartão postal da cidade? As falas do presidente confundem. Há confusão dentro do próprio governo dele, o presidente fala uma coisa, ministro fala outra. Ele deveria reforçar a importância das pessoas colaborarem com o isolamento social.
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Essa postura angustia?
Claro, imagina se ele decreta a reabertura de todo comércio? Teremos que parar na Justiça para discutir a validade deste decreto. Claro que eu fico com muito receio, se a cidade já é o epicentro do país, com uma quantidade imensa de casos, imagina se o presidente agir assim? Vai ser muito pior.
Qual é o recado das panelas para o presidente?
Ele não está agradando à maioria das pessoas, que têm entendido a importância do isolamento, acreditam na ciência e não acreditam que a terra seja plana.
Se as pessoas resolverem seguir os conselhos do presidente Bolsonaro, haverá sobrecarga nos hospitais?
Não tenho a menor dúvida de que se as pessoas forem seguir os conselhos do presidente, que não tem nenhuma base científica, a situação em São Paulo vai explodir como em Milão.
O presidente tem condições de continuar no cargo?
Minha preocupação aqui é salvar a cidade de São Paulo. Deixo essa pergunta para quem é responsável por fazer a fiscalização dele, o Supremo e o Congresso.
Dados divulgados pela Fiocruz apontam uma explosão de internações de pessoas com doença respiratória aguda nas últimas semanas. Qual é o percentual de subnotificação estimado pela prefeitura?
O Instituto Adolfo Luz tem 12 mil testes aguardando resultado. A gente aguarda esses números para saber os valores reais da cidade e do estado.
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A razão do teste é evitar o maior contágio da doença, para que infectados se protejam mais e também aos próximos. A demora do resultado não torna essa estratégia ineficaz?
Quando a pessoa faz o teste, os médicos já orientam as pessoas a aguardarem o resultado em quarentena. Eu mesmo fiquei recluso por dois dias até que saísse o meu resultado do covid-19.
Entre os 12 mil testes, há pessoas que vieram a óbito, mas ainda não se sabe quantas tinham a doença...
Sim, tanto que todos os óbitos que chegam nos cemitérios municipais, mesmo sem resultado, a gente faz (velório) com caixão lacrado e todos os cuidados relativos ao coronavírus. Enquanto a gente aguarda o resultado oficial, já toma cuidados necessários.
Considerando os óbitos com sintomas semelhantes à doença, é possível estimar o que ainda não foi registrado?
Não temos conhecimento do dado neste sentido, dizer algo agora seria um chute. Estamos aguardando o resultado dos 12 mil testes.
No início da crise, o sr. estimava em R$ 1,5 bilhão a perda de arrecadação com a crise. A previsão permanece?
Já pedi que ela seja revista. Se confirmar por exemplo a mudança de cobrança do Simples Nacional, já serão mais R$ 500 milhões. Aí já alcançamos R$ 2 bilhões. Fora que a gente já tem percebido uma perda em receitas não tributárias, como multa de trânsito. O impacto será ainda maior.
A prefeitura tem feito cenários sobre a perspectiva de avanço da doença em São Paulo?
A cada dia a gente vai aprendendo com o comportamento da doença e planejando número de leitos que seja suficiente para o pior cenário. Já são mais 725 leitos de UTI conseguimos disponibilizar e 2,1 mil de baixa complexidade.
Quando a ficha caiu para sr. sobre a gravidade da situação?
Desde o dia 10 de janeiro estamos fazendo a capacitação de servidores de todas as UBS e equipamentos da área da saúde. Mas foram o primeiro caso, a primeira transmissão comunitária e, depois, o primeiro óbito, na semana seguinte, que demonstraram a velocidade que isso pode ter. Estamos reaprendendo a viver em sociedade de forma isolada, trabalhando de casa. As pessoas estão tendo que se virar com essa nova realidade.
E como está sendo morar na prefeitura?
Eu trouxe a minha cama de casa, coloquei no meu gabinete e estou me adaptando aqui. A sala aqui é bem grande e arejada. Na verdade, muito maior que meu apartamento.
E o que mais o senhor levou?
Itens de higiene e roupa. O resto já tinha tudo aqui. Não houve qualquer alteração no dia a dia da prefeitura.
O sr. consegue dormir à noite?
Desde quando assumi a prefeitura, já peguei prédio caindo, avião caindo, viaduto caindo, greve de caminhoneiros, agora pandemia. Tem dois anos e meio que não durmo tranquilo.
Como tem sido manter o tratamento contra o câncer em meio à crise?
Eu falo com meus médicos todos os dias, eles são informados sobre minha agenda, faço nada escondido deles. Se tudo der certo, na semana que vem volto para a terceira sessão de imunoterapia.
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Mudou algo no tratamento por conta da crise?
Nenhuma alteração.
O hospital onde o sr. se trata já registrou mais de 100 profissionais de saúde infectados. O sr. não fica preocupado de procurar atendimento lá?
Eu tomo as medidas que todo mundo tem que tomar. Usar máscaras, não ter contato com as pessoas, manter o distanciamento mínimo de dois metros, tomo os mesmo cuidados que tomo em qualquer outro local que não seja arejado.
O que sr. diz para o filho do sr. sobre a crise que São Paulo está vivendo?
Falo o mesmo que falo para todo mundo: sobre a importância de não sair de casa. Tenho guarda compartilhada com a mãe, ele passa uma semana comigo e outra com a mãe. A própria escola tem mandado muita informação sobre o tema. Agora ele está morando comigo.
Como entretê-lo morando na prefeitura?
Uma TV e um videogame para um garoto de 14 anos é mais do que suficiente.