Postado às 04h56 | 03 Jun 2020
Policiais se ajoelham durante manifestação em Coral Gables, (Flórida), no domingo.EVA MARIE UZCATEGUI / AFP
El País
Ninguém podia ter certeza se tinha havido uma manifestação ou não. O medo da violência nestes dias deixou no ar um protesto que, em teoria, deveria continuar na segunda-feira nas ruas de Los Angeles pela morte de George Floyd. Seria no Sunset Boulevard, esquina com a rua Laurel, um cruzamento vistoso, a poucos metros do hotel Chateau Marmont. Mas a paranoia das redes sobre a suposta infiltração nas manifestações para provocar a polícia a tinha deixado no ar. Finalmente, as poucas centenas de pessoas que apareceram no Sunset Boulevard com cartazes do Black Lives Matter teriam a oportunidade de dar o tom geral dos protestos nos Estados Unidos.
O comandante Cory Palka, da divisão oeste da polícia de Los Angeles, com 33 anos de experiência, estava no comando da operação que monitorava a concentração. Acompanhado por alguns agentes, ele entrou no meio do grupo e pediu o megafone. O toque de recolher entraria em vigor às 17h, dentro de 20 minutos, informou. “Já sei, também mudam as nossas regras de supetão”, disse quando as pessoas começaram a protestar. Mas não era essa toda a solidariedade que o veterano policial queria mostrar.
“Estamos vendo seus cartazes, lemos o que eles dizem, sabemos que há problemas, não pensem que existe uma grande fissura entre nós”, disse Palka. “Eu sou um cara normal, que tenta fazer o melhor pela comunidade”. Em contraste com o comandante sem capacete, as unidades da Guarda Nacional estavam esperando a um quarteirão de distância. “Não queremos atirar, não queremos machucar, não queremos mobilizar as centenas de agentes que estão disponíveis.” E então veio uma frase que definiu algo que talvez esteja ficando camuflado pelas fotos de destroços: “Ouçam, se eu me ajoelhar com vocês, tenho vossa palavra de que isto será pacífico?”. Palka e os policiais que estavam com ele se ajoelharam ao lado dos manifestantes. “Nos próximos 30 ou 40 minutos, se vocês saírem daqui pacificamente por onde vieram, dou minha palavra de honra de que vocês não encontrarão com policiais.”
Um país necessitado de símbolos de unidade os encontra nestes dias também entre seus cidadãos de uniforme. A brutalidade policial que matou George Floyd em Minneapolis não apenas revirou o estômago do mundo, mas também os próprios corpos e chefes de polícia, que nestes dias demonstraram uma solidariedade nunca vista com os protestos que pedem a reforma de seus métodos e o fim do racismo sistêmico. Cenas semelhantes às do Sunset haviam acontecido no domingo em Camden, Nova Jersey, e em Santa Cruz, Califórnia. Na segunda-feira, uma topa de choque de Atlanta seguiu o exemplo. O chefe de polícia de Denver juntou-se à linha de frente de uma manifestação. Cenas semelhantes foram vistas em todo o país. Dos chefes de polícia e prefeitos só se escuta solidariedade e compreensão diante da indignação dos cidadãos.
Sade Sellers e EJ Joseph são dois dos organizadores do protesto do Sunset. “Não podemos cancelar nossa cor de pele por medo”, disse para justificar ter seguido em frente, apesar de uma mobilização tática nas ruas de Los Angeles que não se via desde os distúrbios de Rodney King, em 1992, quando mais de 60 pessoas morreram em quatro dias de violência. Sobre os saqueadores, Joseph disse que era “gente qualquer que anda na rua e não dá a mínima”.
Exatamente às cinco da tarde, Sellers e Joseph pediram que as pessoas fossem para casa. Cerca de 50 pessoas ficaram esperando por alguma ação da polícia. Nos EUA, não é raro uma manifestação se deixar prender pacificamente pela polícia para deixar claro o compromisso com um protesto, como faz Jane Fonda diante do Congresso. Joseph acreditava que esta segunda-feira seria o último dia de protestos e estava feliz que tivessem terminado de forma pacífica.
Enquanto isso, a alguns quilômetros de distância, outra manifestação acontecia perto do turístico cruzamento entre o Hollywood Boulevard e a rua Vine. Nas imediações, grupos organizados de saqueadores começaram uma noite de caos e violência em pleno centro de Hollywood. O som das sirenes e dos helicópteros inundou a cidade durante toda a noite. A divisão de Hollywood quebrou seu recorde de prisões na segunda-feira: 585. A maioria delas foi por violação do toque de recolher. Apenas 20 foram por vandalismo. Um dia antes tinham sido presas 700 pessoas em toda a cidade.