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Scholz, o líder inesperado da Alemanha que devolve o sorriso à social-democracia

Postado às 06h32 | 09 Dez 2021

El País

Olaf Scholz, o social-democrata que nesta quarta-feira se transformou em chanceler federal da Alemanha, conseguiu em poucos meses reverter uma campanha eleitoral que ameaçava arrastar a ele e seu partido à irrelevância. No final do primeiro semestre de 2021, o Partido Social-Democrata (SPD) parecia resignado a acabar em terceiro lugar, atrás dos democratas-cristãos de Angela Merkel e dos Verdes, que à época sonhavam em ter a primeira chanceler ecologista. Poucos apostavam no político discreto, com pouco carisma e tom de voz próximo ao sussurro. Os alemães foram convencidos por sua promessa de continuidade do legado de Merkel e sua fama de gestor eficaz e profissional. Ele jogou a carta de ser o sucessor da chanceler não sendo sequer o de seu próprio partido. Chegou a ser fotografado na capa de uma revista fazendo com as mãos o famoso gesto do diamante pelo que Merkel é conhecida. E em um jogo de palavras com a versão feminina de chanceler (Kanzlerin) afirmou que pretendia ser chancelera.

Eleição de Olaf Scholz como novo chanceler encerra a era Merkel na Alemanha

Durante a campanha, Scholz se concentrou em não cometer erros e em observar os cometidos por seus adversários. Os que lidaram com ele o descrevem como um líder pragmático, que foge do confronto e procura o acordo através de negociações em que, por fim, ninguém tem a sensação de sair perdendo. Como Merkel. Ela também não era uma líder carismática e especialmente dotada à oratória. Não se esperam discursos emocionantes e declarações grandiloquentes de Scholz. “Não se pode esperar que se transforme de repente em Barack Obama e Emmanuel Macron. Não o fará. Ele é assim”, afirma sobre seu limitado magnetismo o jornalista Lars Haider, que acaba de publicar uma biografia sobre o político. É a primeira. A longa carreira política de Scholz, que se filiou ao SPD com 17 anos, até agora não havia interessado a nenhum biógrafo.

Não se sabe muito da adolescência e da juventude do novo chanceler. Tinha o cabelo comprido e cacheado e era mais de esquerda do que agora, diz Haider em um encontro com correspondentes estrangeiros. Nascido em Osnabrück, no noroeste da Alemanha, em 14 de junho de 1958, Scholz estudou Direito em Hamburgo e se especializou em legislação trabalhista. Entrou como deputado no Bundestag com 40 anos, em 1998, o mesmo ano em que se casou com sua esposa, Britta Ernst, também militante social-democrata com uma longa trajetória política. O casal, que não tem filhos, foi se mudando de casa de acordo com os cargos que ocupavam. Agora moram em Potsdam, a meia hora de Berlim. Desde 2017, Ernst é ministra da Educação no Estado de Brandeburgo. Dos interesses de Scholz, como acontece com Merkel, se sabe pouca coisa: pratica esportes — corre e rema— e lê muito, sobretudo de política.

O social-democrata começou a ganhar relevância à opinião pública em 2002, quando se transformou no secretário-geral do SPD. Nessa época, compareceu frequentemente diante das câmeras para dar explicações sobre as controversas reformas do mercado de trabalho do chanceler social-democrata Gerhard Schröder, que em 2005 perdeu as eleições para Merkel. Naquele primeiro Governo de grande coalizão da chanceler, Scholz ocupou sua primeira pasta ministerial, Trabalho e Assuntos Sociais.

Depois voltou a sua cidade, Hamburgo, onde em 2011 ganhou as eleições com 48,4% dos votos. Foi prefeito da segunda maior cidade alemã, e grande porto europeu, até 2018, quando Merkel voltou a chamá-lo. No quarto e último Governo da chanceler se ergueu como homem forte do Executivo ao ocupar o segundo gabinete mais importante de Berlim, o de ministro das Finanças. Substituiu o democrata-cristão Wolfgang Schäuble, garantidor da ortodoxia orçamentária e flagelo da Grécia durante a crise da dívida.

O G20, a grande mancha de sua carreira

A popularidade de Scholz começou a crescer como prefeito de Hamburgo. Quando chegou à prefeitura se propôs a melhorar o acesso à moradia e a facilitar a conciliação das famílias. Nessa época, como agora com a crise do coronavírus, considerou que era preciso flexibilizar as regras fiscais e permitir o endividamento para financiar o investimento público. Conseguiu fazer com que triplicasse o número de moradias construídas anualmente na cidade, das quais um terço é subvencionado para famílias de baixa renda. Durante seu mandato aumentou o número de creches, que passaram a ser públicas.

Mas é dessa época o que Scholz considera uma mancha em sua carreira: os distúrbios do G20. A esquerda radical e grupos antissistema transformaram um protesto contra a reunião dos líderes mundiais em Hamburgo em uma batalha campal de vários dias que deixou pelo menos 190 policiais feridos e meia centena de manifestantes presos. Seu biógrafo conta que pouco tempo atrás perguntou a ele se havia algo que gostaria de desfazer, com o que ainda sonha de noite, e o chanceler confessou que foram aqueles dias de julho de 2017. Haider, redator-chefe do Hamburger Abendblatt e grande conhecedor do político, afirma que foi “sua maior derrota política”: “Errou tudo o que poderia errar”.

O impulso definitivo para seu reconhecimento público chegou com a pandemia. Scholz soube reagir e sacou o talão de cheques —a bazuca, como ele chamou— a tempo para despejar milhões a empresas e autônomos pela crise. Uma flexibilização no rigor orçamentário —do qual ele é o maior defensor em tempos de bonança— que estendeu ao contexto europeu. Diante da situação de alguns Estados vizinhos especialmente golpeados pelo vírus, impulsionou o histórico fundo de recuperação europeu.

Scholz pertence à corrente centrista do SPD. Há dois anos concorreu à presidência do partido e perdeu para dois candidatos —Saskia Esken e Norbert Walter-Borjans— muito mais à esquerda do que ele. Seu partido pretendia se identificar claramente com os valores social-democratas após vários mandatos sendo o menor participante da grande coalizão liderada pelos conservadores. Mas quando foi preciso indicar um candidato às eleições de 26 de setembro, o político chamado pelo Der Spiegel como “a encarnação do tédio” foi o escolhido.

Muito conhecido por seu cargo ministerial, seu estilo sóbrio o identificava com Merkel, a mulher que venceu quatro eleições seguidas. Na reta final da campanha, Scholz o Autômato —suas intervenções com um fio de voz e sua falta de gestualidade garantiram a ele o apelido de Scholzomat— disparou nas pesquisas. Sua vitória, com 25,7% dos votos, e a negociação posterior de uma coalizão tripartite inédita na história política do país, agora o transformam no nono chanceler da República Federal.

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