Postado às 04h50 | 03 Jul 2020
Na ausência do turista, entram o executivo e o profissional autônomo que precisam de estrutura, espaço silencioso e wi-fi com alta velocidade para trabalhar.
Essa é uma das estratégias adotadas pela maior rede de hotéis no país, a Accor, dona de mais de 320 hotéis que vão do alto padrão (Sofitel) até a categoria de entrada (o Ibis Budget), para driblar a queda abrupta da ocupação diante da pandemia.
O grupo francês lançou em junho um serviço chamado room-office: são quartos de hotéis adaptados para funcionar como ambiente de trabalho, com mesa e cadeira de escritório no lugar da cama, além de equipamentos para reuniões virtuais.
“A demanda foi além do que esperávamos. Planejamos oferecer inicialmente apenas em São Paulo, mas tivemos tantos pedidos que estamos estendendo para outras capitais “, afirma o francês Olivier Hick, COO (executivo-chefe de Operações) das marcas midscale (nível intermediário) e econômicas da Accor no Brasil.
A estratégia da Accor é um exemplo de como o setor hoteleiro e de turismo teve que se reinventar diante de uma crise sem precedentes na história recente.
Em Londres, a cidade mais visitada da Europa, a maioria dos hotéis teve que fechar por ordem do governo, abrindo exceção apenas para atender residentes permanentes, pessoas que tiveram que se isolar por causa da Covid-19 ou cidadãos em situação de rua.
O icônico Ritz fechou as portas pela primeira vez em seus 114 anos. O setor hoteleiro foi enquadrado na última fase do plano britânico de relaxamento e só poderá abrir as portas no próximo sábado (dia 4). Isso explica a baixa ocupação dos hotéis, que tem ficado na casa de 20% desde abril, no auge das medidas de restrição.
Um estudo da consultoria PwC comparou os efeitos causados pela Covid-19 na indústria hoteleira americana com três grandes crises dos últimos 30 anos.
Nenhuma se equipara ao momento atual. As receitas por quarto disponível, uma métrica do setor, já recuaram inéditos 50% em um mês na comparação anual desde o início da pandemia e o tombo deve superar 80% no segundo mês. Tanto no 11 de Setembro, em 2001, como na crise financeira de 2008, a queda máxima foi de 25%.
Em Nova York, os hotéis foram enquadrados como serviço essencial e puderam continuar a operar. A ocupação se aproxima de 50%, mas em boa medida graças a profissionais da saúde e de outras áreas essenciais, em vez de turistas.
No Brasil, o ensaio para a retomada é ainda mais lento, dado o fato de que o vírus demorou mais para se espalhar e que o número de casos ainda não cedeu. A taxa média de ocupação na cidade de São Paulo, maior mercado do país, não passou de 10% tanto em maio como em junho, mesmo com o funcionamento liberado sem restrições desde março. O que explica índices tão baixos é puramente a falta de demanda.
“São Paulo depende muito do turismo de negócios. Mas quase todos os eventos foram suspensos, o que gerou uma onda de cancelamentos nos hotéis a partir da segunda quinzena de março”, afirma Marcos Villas Boas, vice-presidente da ABIH-SP (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Estado de São Paulo).
As perspectivas não são favoráveis. Muitas feiras foram adiadas do primeiro para o segundo semestre, mas a realização ainda é incerta enquanto não houver uma redução expressiva do número de casos do novo coronavírus ou mesmo a vacina.
O mesmo quadro se aplica para o Rio de Janeiro, onde a ocupação segue abaixo de 10% por falta de demanda, sem que tenha havido restrições para os hotéis funcionarem.
A recuperação terá que passar pela readequação dos hotéis aos novos protocolos de segurança. O famoso bufê do café da manhã cede espaço para refeições servidas no quarto do hóspede ou, quando muito, no salão do restaurante, com horário marcado e pedidos só pelo cardápio. Tanto o check-in como o check-out estão disponíveis por meio de aplicativos. Na recepção, o distanciamento na fila é obrigatório.
A piscina também só poderá ser frequentada se respeitado o afastamento entre hóspedes que não sejam do mesmo quarto. “Precisamos garantir a segurança de saúde do hóspede se quisermos que ele volte”, resume Villas Boas, da ABIH-SP.
É uma adaptação que abrange toda a cadeia, das companhias aéreas até as empresas que fazem a recepção do turista no destino. “Estamos priorizando fornecedores que tenham comprometimento com as novas normas e que sigam os protocolos de segurança, que devem permanecer como prática constante nos próximos anos”, diz Emerson Belan, diretor geral da CVC, a maior empresa do país no setor de turismo.
A retomada no Brasil pode ser favorecida por uma condição particular do mercado doméstico: a baixa dependência do turista estrangeiro, uma vez que o país nunca foi pródigo em explorar essa vocação. Na Accor, estrangeiros respondem por apenas 15% da demanda local, muito abaixo da média de 50% em hotéis na Europa.
Com as restrições para a entrada de brasileiros nos destinos mais visitados no exterior, como EUA, Europa, Chile e Argentina, o mercado doméstico ganha força.
Mas, mesmo diante dessa circunstância, a retomada será lenta. Na CVC, as vendas para julho estão equivalentes a apenas 25% da demanda registrada um ano atrás. A expectativa da companhia é chegar ao fim do ano com metade do volume nessa comparação. Para tanto, a empresa também teve que buscar novas soluções.
A CVC lançou uma ferramenta chamada “orçamento dinâmico”, que possibilita ao cliente acompanhar em tempo real, pelo aplicativo, a variação de preços da viagem planejada. O objetivo é permitir que ele possa fechar a compra no momento em que achar que as tarifas valem a pena, mesmo que a agência esteja fechada.
São iniciativas que mostram como o setor de turismo precisará se reinventar cada vez mais para sobreviver até que os negócios comecem a se normalizar.(Infomoney)