Postado às 05h42 | 14 Mar 2020
El País
O combate à disseminação do coronavírus virou uma batalha política em Brasília. Se não bastasse o presidente Jair Bolsonaro e seu entorno quererem confrontar os meios de comunicação sobre a divulgação de boatos sobre sua contaminação pelo vírus, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes, entraram em rota de colisão e teceram críticas um ao outro.
O primeiro a disparar foi Maia. Na quinta-feira, depois que o Ministério da Economia anunciou cinco medidas financeiras para tentar amenizar a contaminação, o deputado falou que as propostas eram tímidas: “Guedes não tinha uma coisa organizada ou não quis falar. Se olhar os projetos, tem pouca coisa que impacte a agenda de curto prazo ou quase nada”. A afirmação foi feita ao jornal Folha de S. Paulo.
As cinco medidas da economia anunciadas oficialmente foram: antecipação da metade do 13º salário de aposentados e pensionistas, suspensão da prova de vida dos beneficiários do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), redução dos juros do empréstimo consignado, redução de impostos sobre importação de produtos médico-hospitalares e maior agilidade na liberação desses produtos importados nas alfândegas.
Já nesta sexta-feira, provocado por jornalistas sobre a fala de Maia, Guedes fez uma promessa: disse que até segunda-feira o Governo apresentará novas propostas. Pincelou duas delas: o reforço da atuação de bancos públicos e um possível adiamento do pagamento de impostos por empresas em dificuldades. “O presidente da Câmara está pedindo medidas? Em menos de 48 horas vamos soltar. Vocês vão ver, de hoje para segunda vai sair muito mais coisa”.
O clima entre Maia e Guedes esquentou porque, enquanto o Legislativo discutia maneiras de colaborar no combate à doença, o ministro cobrava empenho na aprovação de reformas econômicas. Sendo que as duas principais delas, a administrativa e a tributária, nem foram enviadas pelo Executivo ao Congresso. A gota d’água foi a derrubada do veto presidencial ao aumento de gastos com o Benefício de Prestação Continuada, na quarta-feira. A União passará a gastar até 20 bilhões de reais a mais ao ano com a mudança na regra aprovada pelos legisladores.
Logo após a derrubada do veto, Guedes, e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foram chamados para uma reunião de emergência na Câmara com Maia e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Os parlamentares os convidaram para tratarem do combate à doença. Mas Guedes queria falar sobre articulação política. “Eu não estava elaborando um plano para o coronavírus. Eu estava em apoio às lideranças, porque nós do governo havíamos sofrido uma derrota do ponto de vista de estabilidade. Vocês veem a bolsa caindo, o dólar subindo, tudo isso é um problema nosso, de articulação política. É hora de união", afirmou a jornalistas nesta sexta-feira.
Na atual crise, o nó econômico é um dos mais difíceis de desatar nesse momento. Vários países do mundo, da Itália à Espanha passando pelos Estados Unidos, anunciaram pacotes de ajuda financeira também a empreendedores e pequenos negócios. A crise do coronavírus tem derrubado bolsas de valores ao redor do mundo inteiro e prejudicado a produção industrial, o turismo, o comércio e os serviços. Nesta semana, a Bovespa registrou dois dias com “circuit breakers”, que são interrupções obrigatórias após quedas vertiginosas das ações. Na quinta-feira, a bolsa despencou 14,78%, a maior redução em 22 anos. Conforme especialistas, todos os ganhos obtidos durante o primeiro ano do Governo Bolsonaro se perderam desde que o vírus começou a se disseminar e a interferir na economia, com o fechamento de indústrias, férias coletivas de funcionários e o cancelamento de eventos.
Em nota, o ministério, comandado por Paulo Guedes, afirmou que está buscando alternativas junto ao Legislativo. “Neste momento crítico, mesmo diante do exíguo espaço fiscal, o Ministério da Economia buscará, em conjunto com a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, a realocação ágil de recursos orçamentários para que não falte suporte ao sistema de saúde brasileiro”. Uma alternativa para engordar o caixa do Governo é destinar parte das emendas de deputados e senadores ao orçamento para o combate ao coronavírus.
Conforme o relator da lei orçamentária, Domingos Neto (PSD-CE), o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, solicitou a destinação de 4,8 bilhões de reais ao Legislativo. Os recursos seriam divididos entre o custeio de serviços de assistência hospitalar e ambulatorial e o incremento da atenção básica. Segundo Neto, os parlamentares concordaram em ceder o valor. Esses recursos, contudo, devem demorar alguns dias para serem liberados para União. Há duas possibilidades para a liberação desses valores: por meio de uma medida provisória ainda a ser editada ou pela votação do PLN04/20, um projeto de lei enviado pelo Executivo que discute a destinação das emendas impositivas. Essa última alternativa pode mais atrapalhar do que ajudar, não há acordo com o Congresso.