Postado às 06h20 | 16 Ago 2020
Correio Braziliense
O casamento entre Jair Bolsonaro e Paulo Guedes chegou a uma encruzilhada. Os termos do desentendimento incluem o desejo do presidente da República pela reeleição e o posicionamento do ministro da Economia em defesa do teto de gastos e das reformas estruturantes, em especial, a administrativa.
Apesar de pregar, publicamente, que há uma unidade entre os seus ministros, Bolsonaro considera a demissão de Guedes. A convivência já não é das melhores. O presidente até reconhece que a saída do economista poderia tumultuar o mercado financeiro, mas os efeitos seriam passageiros, pois o substituto receberia a promessa de que os compromissos do governo com o ajuste fiscal serão mantidos. O nome mais citado no Palácio do Planalto como sucessor de Guedes é o do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. “A relação entre o presidente e Guedes esgarçou-se demais. Será muito difícil ele se reconciliar com o Posto Ipiranga”, disse uma fonte ao Correio.
Assessores próximos de Bolsonaro asseguram que o presidente chegou ao limite com o ministro. Nos bastidores, o mandatário não escondeu a insatisfação depois de Guedes levantar suspeitas de estouro do teto de gastos. Segundo o chefe do Executivo, como 2020 é excepcional e todos os limites fiscais foram estourados, o que se quer é usar sobras de recursos do Orçamento para obras, como forma de acelerar a econoO desabafo de Guedes, na terça-feira, quando reclamou de “ministros fura-teto” do governo, foi considerado por Bolsonaro e outros membros do alto escalão como totalmente inapropriado. Além de o ministro ter admitido que havia uma debandada na equipe econômica, não agradou ao presidente ouvir de um dos seus principais aliados que ele poderia sofrer um impeachment. Agravou o mal-estar o fato de a declaração ter acontecido ao lado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não tem uma boa relação com o chefe do Planalto e é quem decide se abre um processo de impedimento contra o presidente.
Futuro
Se o desentendimento entre Bolsonaro e Guedes se prolongar, analistas políticos também veem a possibilidade de o ministro ser demitido, ou então, de ele deixar o governo, levando consigo o discurso de que fez o que pôde. “O grande desafio de Guedes é encontrar uma válvula de escape para que ele saia com a vaidade intocada e seu conhecimento da máquina do governo para suas intenções futuras”, ponderou o analista político Melillo Dinis. Ele destacou que o ministro, como ultraneoliberal, já sente dificuldades em se posicionar, sob pressão de militares e grupos que veem o investimento público em grandes obras como a principal saída para a crise econômica provocada pela covid-19.
“O jogo, hoje, é dilemático. Uma encruzilhada com muitos caminhos. Um é o crescimento da crise até estourar de vez qualquer tipo de controle. Outro é que o auxílio emergencial dá voto. Tem um setor militar e do Centrão que quer fazer obra, dinheiro, liberação de orçamento, emendas parlamentares e jogar o jogo, e ambos culpam Guedes. Se não mudar a realidade, seja do gasto, seja da arrecadação, vai ter muito pouca possibilidade de investimentos”, avaliou.
Cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Geraldo Tadeu Monteiro acredita que Bolsonaro tem mais a perder do que a ganhar com a saída de Guedes. “A carta Paulo Guedes é o peso-pesado da economia. Ele faz intermediação com os setores econômicos mais importantes. Se o presidente perder essa carta, vai ter dificuldade, como está tendo para colocar um ministro da Saúde, e vai ter de colocar alguém que reze na cartilha dos militares, o que pode provocar uma ruptura na base de sustentação.”
Meta da reeleição ganha força
O projeto do presidente Jair Bolsonaro de se reeleger em 2022 ganhou um estímulo importante com a melhora de seus índices de avaliação, apontada pelas últimas pesquisas. Em um momento altamente desfavorável, marcado pelos números trágicos da covid-19 no país, o chefe do governo, contrariando as expectativas, tem conseguido fazer da própria pandemia um cenário para expandir sua popularidade. O pagamento do auxílio emergencial a milhões de brasileiros e outros acenos na área social, por exemplo, foram bem recebidos até em setores refratários ao presidente, em especial nas regiões Norte e Nordeste, cujo eleitorado, historicamente, é mais favorável ao PT e a outros partidos de esquerda.
Com um índice de aprovação de 37%, a melhor avaliação desde a posse presidencial — segundo pesquisa Datafolha divulgada ontem —, Bolsonaro vai colhendo dividendos de uma agenda bem diferente daquela que ele pregou na campanha eleitoral. Além do auxílio emergencial, o anúncio da criação do programa pró-Brasil, de cunho desenvolvimentista, e do Renda Brasil, uma versão reforçada do Bolsa Família, é outro trunfo eleitoral, defendido pela ala militar do governo. Porém, essa mudança de rumo, de tão abrupta, provocou descontentamento do ministro da Economia, Paulo Guedes.
“As eleições presidenciais ainda estão distantes, e muita coisa pode mudar. Mas, hoje, é inegável que Bolsonaro seria um candidato competitivo. Seus adversários não podem desprezá-lo. A dúvida, agora, é saber qual será a opção do presidente entre o seu projeto de reeleição e a cartilha ortodoxa de Guedes”, avaliou o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa.
Na opinião de Ricardo Ismael — professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) —, ainda é cedo para fazer prognóstico sobre as eleições de 2022. “Acho que o auxílio emergencial é conjuntural. Então, é importante saber como Bolsonao vai manter a fidelidade desse eleitor de baixa renda. O movimento é favorável, mas não dá para saber se se sustenta”, destacou. “Dois anos é muito tempo. Dá margem, inclusive, para a oposição e o centro comporem novas estratégias. Bolsonaro está seguindo o caminho de Michel Temer (ex-presidente), de se blindar no Congresso, mas o tempo joga contra ele”, destacou.
Em publicação nas redes sociais, ontem, o presidente Jair Bolsonaro comentou que a responsabilidade fiscal e o teto de gastos são o “norte” do governo. No texto, acusou a imprensa de ter desvirtuado o que ele disse na live de quinta-feira. Na transmissão, o chefe do Executivo admitiu que houve uma articulação dentro do governo para que o Planalto aproveitasse o chamado orçamento de guerra — medida que flexibilizou os gastos públicos deste ano para garantir mais recursos especificamente para o combate à covid-19 — e investisse em obras públicas. “A ideia de furar o teto de gastos existe, qual é o problema?”, declarou o presidente, na ocasião.
Ontem, contudo, Bolsonaro escreveu: “Quando indagado na live de ontem (quinta) sobre ‘furar’ o teto, comecei dizendo que o ministro Paulo Guedes mandava 99,9% no Orçamento. Tudo, após essa declaração, resumia que, por mais justa que fosse a busca de recursos por parte de ministros finalistas, a responsabilidade fiscal e o respeito à emenda constitucional do ‘teto’ seriam o nosso norte”.
“Vamos trabalhar junto ao Congresso para controlar despesas, com o objetivo de abrir espaço para investimentos e, assim, atravessarmos unidos essa crise. O presidente e seus ministros, sempre focados no absoluto respeito às leis, seguem trabalhando para resgatar econômica, ética e moralmente o Brasil”, frisou.