Postado às 06h55 | 20 Out 2021
Ney Lopes
São aterradoras as conclusões de uma pesquisa realizada na América Latina pelo “Latinobarômetro”, organização privada sem fins lucrativos, que ouviu 600 mil pessoas, através de 20.000 entrevistas.
Os dados coletados demonstram, que a pandemia teve o efeito político de “alertar” a população, pela visível fraqueza dos países latino-americanos em lidar com acontecimentos imprevistos, que colocam em risco a coletividade.
O relatório menciona “o aumento da conexão da internet, produzindo uma revolução social, por mostrar ao analfabeto que o tratam mal, que é discriminado, que tem direitos e pode exigi-los”.
A propósito, recordo palestra do o ex-presidente da Costa Rica, Nobel da Paz, Oscar Arias Sanchez, que conheci pessoalmente, ao participar do "Simpósio da liberdade hemisférica", realizado em Baton Rouge, Louisiana (2010).
Ele analisou a causa do subdesenvolvimento da América Latina e discordou de muitos líderes da região, que atribuem o estado de pobreza da região às teorias da conspiração.
Os argumentos são sempre de que as nossas riquezas foram roubadas pelos impérios espanhol e português e os americanos continuam a nos sangrar.
Propaga-se que as instituições financeiras internacionais conspiraram contra nós e que as leis da globalização foram deliberadamente projetadas para manter nossa região nas sombras.
Com certeza existiram excessos e exploração. Porém, há verdades incontestáveis, que devem “abrir os olhos” de quem pense com seriedade sobre o futuro latino-americano.
Após séculos de independência, não existe uma nação desenvolvida na América Latina.
Quando analisamos as estatísticas econômicas, vemos que começamos esta corrida em condições iguais ou até melhores, do que o resto do mundo.
Segundo os cálculos da Angus Maddison, a renda per capita na América Latina em 1750 era semelhante à dos Estados Unidos.
Até o ano 2000, ela caiu para apenas um quinto dos norte-americanos.
Países mais jovens como Cingapura, deixaram os latino-americanos na poeira, não pela sorte, mas em razão de políticas e investimentos eficientes e racionais.
Um exemplo é a nossa incapacidade de investir em estradas, ferrovias e portos. Em consequência, a nossa produtividade está muito aquém do Leste da Ásia e países de alta renda.
E ainda culpamos os outros pelo atraso, quando somos responsáveis pelo nosso destino.
Hoje, os latinos americanos têm sede de um tipo diferente de liberdade: liberdade de querer, a liberdade de comer, a liberdade de superar a desigualdade.
O mundo capitalista na região inevitavelmente terá outro rumo, preservadas as liberdades, considerando que o mercado e a sociedade, por conta própria, não são capazes de se organizarem e resolverem os seus problemas.
Tudo começa pelo surgimento da nova concepção de estado, cuja definição é antecipada pelo presidente da Câmara Artur Lira, ao afirmar, que não se pode pensar apenas em “teto de gastos”, com mais de 20 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza.
A enquete do “Latinobarômetro” deixa claro o desencanto com a política.
“A pandemia acelerou e visibilizou situações de pobreza antes ocultas. Desnudou as fraquezas dos Estados e as fraquezas das elites e dos sistemas de partidos”, conclui a pesquisa.
No caso específico do Brasil, a reconstrução nacional será missão dos governantes, após a eleição de 2022.
Para isso, a responsabilidade fiscal terá que existir, sem aprisionamento a fórmulas ortodoxas e inflexíveis, que desprezam o investimento no social, em curto prazo.
Essa nova ótica prevalecerá, porque é preciso continuar “vivo” para usufruir os avanços conquistados no futuro.
No primeiro momento, impõe-se reinserir na sociedade e na economia os brasileiros que vivem à sua margem. De imediato, precisarão de comida e sobrevivência, com a assistência direta do estado
A América Latina não será exceção no fenômeno global dos países democráticos, que impõe a “reinvenção” do modo de fazer política.
Há análises que defendem estar a democracia enfrentando uma “era de desilusão”.
Não seria colapso, mas a constatação do “vazio democrático”, que se expressa no aumento das contradições sociais.
As perspectivas após a pandemia, resumem-se a frase de Eduardo Galeano, no livro “As veias abertas da América Latina”:
“Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”.