Postado às 06h29 | 29 Mai 2021
Guga Chacra
Era esperado que Bashar al-Assad, considerado por muitos como o mais sanguinário ditador do século 21, venceria as eleições na Síria. Simplesmente, não se trata de uma eleição democrática. A legitimidade do pleito é literalmente zero. Mas, em uma nação sem imprensa livre e com uma avançada técnica de propaganda do regime com o apoio da Rússia, houve sim celebração pela vitória nas ruas. Não são todos que odeiam o líder sírio e tampouco discordam de suas ações durante a guerra civil, que são classificadas como crimes contra a humanidade.
Podemos dividir os apoiadores de Assad em quatro grupos. Primeiro, há aqueles que acreditam mesmo que o ditador sírio é bonzinho e que ele não teria cometido nenhum crime de guerra. Sei que parece absurdo. Mas a maioria dos republicanos nos EUA acredita que as eleições presidenciais foram fraudadas. Imagine na Síria, incomparavelmente mais atrasada e com todas as instituições nas mãos de uma ditadura há meio século, se contarmos o período que Hafez al-Assad, pai de Bashar, esteve no poder?
O segundo grupo é daqueles com consciência das atrocidades de Assad, mas as consideram justificadas. Inclusive, no início do conflito, Bashar era criticado por ser “banana”. Diziam que o “velho Hafez” teria dado um jeito nas milícias opositoras em algumas semanas. Mais uma vez, pode parecer absurdo, mas no Brasil muitos defendem que a polícia entre em comunidades do Rio matando todos, incluindo civis, para tentar derrotar traficantes — vejam os apologistas de Jacarezinho. Imagine na Síria, onde a noção de direitos humanos é bem menor do que no Brasil?
O terceiro grupo é composto por minorias religiosas como os cristãos, drusos e alauítas, que podem não gostar de Assad em alguns casos, mas preferem bem mais o regime do que a oposição. Afinal, os principais grupos armados opositores são jihadistas ligados à al-Qaeda e costumam matar membros destas minorias. Entre uma ditadura sanguinária e a rede terrorista fundada por Osama bin Laden, preferem a ditadura. Até porque Assad defende alauítas, cristãos e drusos. Além disso, um cristão de Damasco sabe que com Assad poderá tomar seu arak sossegado e ir à igreja sem ser importunado. Com os grupos opositores, talvez não tivesse esta liberdade.
O quarto grupo é daqueles que até votariam em um outro candidato se houvesse uma opção moderada e forte politicamente. Na prática, não há. Os nomes sérios e moderados da oposição nunca ganharam tração. Os grupos opositores no exílio são vistos como “oposição de hotel cinco estrelas”. Aqueles que ficaram em Damasco são restritos historicamente a uma elite intelectual.
Uma pena, mas temos de ser realistas. Esta é a Síria e não há perspectiva de mudança no médio prazo. Além disso, sempre bom frisar que muito dificilmente a Síria se tornaria democrática mesmo com a queda de Assad. Até 2015, se o ditador fosse derrubado, muito provavelmente o Estado Islâmico teria tomado Damasco e a al-Qaeda, Aleppo. Outro risco seria surgir um outro ditador, como ocorreu no Egito com Sisi.