Postado às 05h49 | 02 Abr 2020
El País
Enquanto o Brasil ainda tenta ampliar a capacidade de testagem para o coronavírus e fazer um desenho mais atual e real sobre a disseminação da doença ―com suas 240 mortes e 6.836 pessoas infectadas―, o país enfrenta o risco da falta de insumos que vão desde os equipamentos de proteção individuais para os profissionais de saúde até os respiradores, fundamentais para garantir a sobrevivência dos casos mais graves da Covid-19. “Nós estamos muito preocupados com a regularização de estoques”, afirmou o ministro Luiz Henrique Mandetta nesta segunda-feira (1), ao expor as dificuldades que o país enfrenta para adquirir esses materiais devido à alta demanda e à disputa no mercado internacional. Sem detalhar a capacidade estocada no Brasil, o ministro garantiu que no momento os Estados ainda estão abastecidos, mas disse que a situação pode se complicar em breve. "Agora é lutar com as armas que a gente tem”, afirmou o ministro, que ainda apontou o isolamento social como a única medida para frear o contágio e evitar o colapso do sistema de saúde. Neste momento, o país corre contra o relógio para conseguir expandir o Sistema Único de Saúde (SUS) antes de entrar no pico da doença. “Movimentar nesta fase é o que podemos fazer de pior”, acrescenta Mandetta.
O ministro informou nesta quarta-feira que o Brasil registrará um grande aumento de casos de Covid-19 até o final da semana que vem. De acordo com o ministro, se as medidas de isolamento social forem mantidas, as chances são de que 96% da população brasileira saia “bem” dessa crise sanitária. Ele ressaltou que o Brasil não fez lockdown, ou seja, o Governo não decretou quarentena total oficialmente, mas alertou de que o país “precisa redobrar o esforço”. "Se nós sairmos, se nos aglomerarmos, se nós fizermos movimentos bruscos e relaxarmos, podemos ficar com uma série de problemas em relação aos equipamentos de proteção individual, porque nós não estamos conseguindo adquirir de forma regular o nosso estoque”, afirmou, explicando que, no momento, todas as secretarias de saúde estaduais estão abastecidas.
“O nosso problema é que esse vírus foi extremamente duro. Derrubou, machucou e parou a produção dos EPIs (equipamento de proteção individual), que os hospitais utilizam no mundo todo”, lamentou Mandetta, referindo-se, principalmente, à China, maior produtora desses insumos. O ministro disse que compras de luvas, gorros, máscaras e outros materiais feitos pelo Brasil ao país asiático “caíram” quando a demanda mundial ficou hiperaquecida e depois que os Estados Unidos compraram um grande volume desses itens fundamentais no enfrentamento da crise de coronavírus.
“Hoje, os Estados Unidos mandaram 23 aviões cargueiros dos maiores para a China, para levar o material que eles adquiriram. As nossas compras, que tínhamos expectativa de concretizar para poder fazer o abastecimento, muitas caíram”, informou Mandetta. Segundo ele, fornecedores de respiradores, importantes para pacientes graves, já haviam sido contratados, mas avisaram que ficaram sem estoque.
O ministro também disse que o Governo Federal avançou na “possível compra” de 8.000 respiradores mecânicos, mas que já uma certeza em relação à entrega dos aparelhos. “Está havendo uma quebra entre o que você assina e o que recebe. Eu só acredito quando estiver dentro do país, na minha mão”, afirmou. “Quando acabar dessa epidemia, eu espero que nunca mais o mundo cometa o desatino de fazer 95% da produção de insumos que decidem a vida das pessoas em um único país”, acrescentou o ministro, referindo-se mais uma vez à China. Com o discurso, Mandetta ecoa outros Governos, como o da França, que também diz que buscará mais autonomia na produção de insumos médicos.
O Brasil também corre contra o tempo para ampliar a sua capacidade de testagem ―um dos principais gargalos do país no enfrentamento da epidemia. É um dispositivo fundamental tanto para que o Governo tenha uma dimensão mais real da disseminação do vírus quanto para que os profissionais de saúde possam determinar a quarentena a familiares de infectados. O ministro Luiz Henrique Mandetta explica que, nos próximos dias, haverá uma explosão de casos por conta da demanda reprimida que aguarda há dias o resultado da testagem. O ministro reconhece que há uma fila grande de espera, mas não mensura o tamanho dela. Diz apenas que o Brasil começou a automatizar o processamento dos testes PCR para dar agilidade a esse processo e começa a utilizar os testes rápidos, sem detalhar a capacidade total de testagem do país com as novas medidas.
Os chamados testes PCR são feitos em laboratório e têm uma complexidade e uma precisão maior na identificação. O profissional de saúde coleta material das vias respiratórias do paciente e o encaminha ao laboratório, que analisa se existe a carga genética (ou RNA) do novo coronavírus neste material. “Tem uma sensibilidade muito alta, de quase 100%”, explica Mandetta. Esse teste, porém, tem um custo mais alto e exige tanto capacidade de profissionais quanto de maquinário específico.
Atualmente, o teste PRC está sendo racionado e, portanto, é aplicado apenas nos casos suspeitos mais graves, de pessoas internadas com sintomas compatíveis com a Covid-19. Mandetta diz que o Brasil já começou a ampliar sua capacidade de testagem, mas não cita dados específicos sobre quantos testes diários o país consegue processar atualmente. Na semana passada, o país processava 6.700 testes diários. E os próprios técnicos do Ministério da Saúde projetam que o país precisaria atingir um total de 30.000 a 50.000 testes diários para desenhar com mais precisão a curva epidemiológica do coronavírus no Brasil. No momento, o retrato dos casos confirmados do Brasil é sempre um recorte do passado, por causa da demora para o resultado dos testes.
É nesse contexto que o Governo optou por trabalhar também com os testes rápidos e sorológicos. Embora numa velocidade bem inferior ao que prometeu há duas semanas (quando anunciou 5 milhões de novos testes para o fim de março), o Ministério da Saúde iniciou a distribuição de um primeiro lote de 500.000 unidades desse tipo pelo país. Esses testes especificamente identificam a presença de anticorpos produzidos pelo corpo humano ao entrarem em contato com o coronavírus e, por isso, só devem ser aplicados após o sexto dia dos sintomas da Covid-19. Antes disso, o teste ―que demora menos de meia hora para dar o resultado― não seria eficaz.
O teste sorológico que começou a ser distribuído nesta sexta-feira tem uma precisão muito inferior ao PCR para um resultado fiel do coronavírus. “Eles devem ser úteis, mas precisam ser avaliados e validados no Brasil”, explica a infectologista Carol Lazari, médica-chefe do setor de biologia molecular do Hospital das Clínicas. Ela alertava sobre a necessidade de observar no Brasil quanto esses testes conseguem detectar a doença e o quanto não dá falso positivo (no vocabulário médico, a sensibilidade e a especificidade dos testes, respectivamente). O ideal era que os testes tivessem 80% de sensibilidade. Mandetta diz que o Ministério espera que a sensibilidade dos testes que começam a ser distribuídos seja de 40%. Mesmo assim, destaca que esses materiais serão utilizados corretamente e poderão auxiliar o Governo a ter uma noção maior da disseminação do vírus no Brasil.
“A nossa estratégia é dupla”, ponderou o ministro, ao explicar que os casos graves continuarão a ser testados por PCR. Os testes rápidos ―ao todo, 5 milhões, doados pela mineradora Vale― serão utilizados apenas como instrumento de triagem, aplicados em profissionais de saúde e agentes de segurança com sintomas de síndrome gripal. "Ele serve apenas para marcar se a pessoa tem ou não o anticorpo que combate o vírus. Vai mostrar se você já teve no passado, e nesse caso está imune, ou se tem o vírus no período latente da doença”, afirma Mandetta.
Outros tipos de teste estão sendo negociados pelo ministério, que diz esperar chegar a 22,9 milhões deles, mas ainda trabalha na negociação direta com fornecedores e no diálogo com a iniciativa privada, que tem anunciado doações. O Governo diz que prepara a implantação de unidades volantes, um tipo de drive thru, como os realizados na Coreia do Sul e Estados Unidos, onde as pessoas poderão fazer o teste e receber o resultado no dia seguinte por meio de um aplicativo de celular. A ideia é utilizar a ferramenta em cidades com mais de 500.000 habitantes para conter surtos, isolando mais rapidamente os pacientes infectados.