Postado às 04h14 | 17 Abr 2020
BBC
Políticos de praticamente todas as cores ideológicas lamentaram a saída do agora ex-ministro da Saúde, o médico e ex-deputado federal Luiz Henrique Mandetta.
A percepção da maioria dos congressistas é de que a troca no comando do Ministério da Saúde no meio da pandemia da covid-19 aumenta os riscos para o país.
A BBC News Brasil conversou nas últimas horas com uma dezena de políticos, a maioria deles líderes de suas respectivas bancadas no Congresso.
Apesar dos temores provocados pela queda de Mandetta, a maioria deles diz que não é hora de o Congresso retaliar o governo por causa da troca. A mudança, afinal, é uma prerrogativa do presidente da República como chefe do Executivo.
Mandetta anunciou sua saída com um post no Twitter. "Acabo de ouvir do presidente Jair Bolsonaro o aviso da minha demissão", escreveu ele. A publicação do ministro recebeu quase 300 mil curtidas na rede social, até o fechamento deste texto.
Agora, o ministro deve seguir formulando políticas para a área de saúde em seu partido, o DEM. Ele não deverá se tornar secretário de Saúde do Estado de Goiás, apesar de a possibilidade ter sido aventada pelo governador Ronaldo Caiado (DEM), dias atrás.
No mesmo instante em que Mandetta concedia uma entrevista a jornalistas no Ministério da Saúde para anunciar sua demissão, Bolsonaro chamou a imprensa ao Palácio do Planalto para anunciar a substituição dele pelo oncologista Nelson Teich.
A exoneração de Mandetta e a nomeação de Teich foram oficializadas em uma edição extra do Diário Oficial da União nesta quinta-feira (16/04).
Entre os congressistas, os únicos a defender a decisão de Bolsonaro foram aqueles diretamente ligados ao Palácio do Planalto. É o caso do líder governista na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO); e da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP).
Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), emitiram uma nota conjunta sobre o assunto no começo da noite. O texto elogia a atuação de Mandetta - chamado de "guerreiro em prol da saúde pública" -, e não deixa de criticar Bolsonaro.
"A maioria das brasileiras e dos brasileiros espera que o presidente Jair Bolsonaro não tenha demitido Mandetta com o intuito de insistir numa postura que prejudica a necessidade do distanciamento social e estimula um falso conflito entre saúde e economia", diz a nota.
O texto também deseja êxito a Nelson Teich, e diz que o Congresso fará "tudo o que estiver ao seu alcance para mitigar os efeitos devastadores dessa pandemia".
Líder da bancada do DEM na Câmara, deputado Efraim Filho (PB) disse que "o Brasil todo lamenta a saída do Mandetta".
"Ele tinha conquistado o respeito do país. Deu um exemplo de integridade ao permanecer no posto até o último instante, trabalhando. Mesmo com a sua demissão já sinalizada", disse ele à BBC News Brasil.
"Agora, temos que aguardar, ver qual vai ser a linha do novo ministro. O Parlamento tem que contribuir. Não é hora de tensionar o ambiente, o importante agora é enfrentar o inimigo mais perigoso, que é o coronavírus", diz Efraim.
O líder do Cidadania, deputado Arnaldo Jardim (SP), disse que é "preocupante" o fato de o sucessor de Mandetta não possuir experiência na administração pública.
"Essa pessoa que ele (Bolsonaro) está pegando é uma pessoa respeitada, mas que não tem nenhuma experiência em gestão pública. Então vai ser um voo cego, no meio da batalha. É muito preocupante", disse.
"A crise está apenas começando. A previsão de todos os cientistas é de que a crise vai persistir no mês de maio. Tudo o que conseguimos fazer, uma alteração da política de isolamento pode pôr por água abaixo", disse ele.
O líder do PT na Câmara, Enio Verri (PR), disse à BBC News Brasil que Mandetta "nunca teve nenhumas proximidade conosco. No passado, votou a favor da Emenda Constitucional 95 (a chamada 'PEC do Teto'), que retirou quase R$ 22 bilhões do SUS, e que agora estão fazendo falta", disse.
Mandetta, no entanto, era "uma voz que neste momento representava a ciência". "E, nesse sentido, ele tinha o nosso respeito. Nós sentimos por sua saída, neste sentido. A defesa da ciência perdeu para uma concepção medieval da saúde pública", disse Veri. "Além disso, pelo curriculum do novo ministro, a gente vê que é alguém sem experiência em administração pública. É alguém com um perfil empresarial", disse o líder do PT.
O líder do PP no Senado, Esperidião Amin (SC), disse que não era seu papel "avaliar a questão política". "O Mandetta se mostrou um grande líder. Conquistou uma grande credibilidade, e eu lamento a saída dele. Mas não me cabe avaliar a questão política, porque é o presidente quem nomeia e quem demite. A luta continua", disse Amin.
"Estamos torcendo para que o novo piloto consiga tocar a nossa política durante a calamidade da melhor maneira possível", disse ele à BBC News Brasil.
Colega de Amin no Senado, Fabiano Contarato (Rede-ES) disse que é "lamentável que a guerra de egos esteja acima do combate à pandemia". "O que está em jogo é o principal bem jurídico, que tem que ser protegido por todos, inclusive pelo chefe do Executivo, que é a vida humana. O respeito à integridade de todos os brasileiros e brasileiras", disse.
"Eu entendo que mudar o ministro da Saúde, que tem a aprovação de mais 70% da população, demonstra que o presidente age por capricho, por vaidade. Eu espero sinceramente que o novo ministro da Saúde paute a sua conduta pela ciência, e jamais pelo obscurantismo", disse ele à BBC News Brasil.
Assim como Contarato, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) também lamentou a decisão de Bolsonaro. "É uma prerrogativa do presidente, mas lamento que a mudança ocorra no meio de uma pandemia e sem motivação técnica", disse o senador.
Linha parecida foi adotada por Eduardo Braga (MDB-AM), líder do bloco do MDB no Senado.
"Lamentável, entretanto é um direito do presidente fazê-lo. Nesse momento de pandemia seria prudente manter o Mandetta. Espero que o novo ministro continue as políticas de isolamento e distância social", disse o senador, por mensagem de texto, à BBC.
lLíder da minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE) disse que a demissão de Mandetta era uma "derrota para a saúde", para a defesa da vida e da ciência".
"Nós temos um histórico de divergências com ele, quando deputado. Como quando ele votou a favor e articulou pela PEC do Teto, que tirou bilhões da saúde. E no entanto, independente disso, ele vinha fazendo um bom trabalho à frente do ministério, seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS)", disse Guimarães.
"Ele caiu exatamente pelas suas ideias. Caiu pelos seus méritos, e não pelas suas faltas. O Brasil perde, e ainda pode sofrer muito por causa dessa mudança", disse Guimarães.
"Primeiro, o ministro começou o trabalho muito bem, com posições muito corretas. Mas, depois, acho que se perdeu um pouco. Começou a mais fazer política do que cuidar da pandemia. E entrou num conflito com o presidente. Foi um erro que ele cometeu, ele mesmo admite que foi um erro, e acho que esse erro foi crucial para a saída dele", disse o líder do Solidariedade e presidente da Força Sindical, deputado Paulinho da Força (SD-SP).
"A gente lamenta, porque ele vinha fazendo um grande trabalho. Pode ser que, agora, o novo ministro tenha dificuldades de continuar esse trabalho. E quem vai perder com isso é a população", disse Paulinho.
Líder do governo: trabalho não será interrompido
O líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), disse ter certeza de que o novo ministro tomará "todas as medidas" para garantir que não haja descontinuidade nos trabalhos de enfrentamento ao novo coronavírus.
"Pela sua formação médica na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, com mestrado em economia na Universidade de York (Reino Unido), também tenho certeza de que ele saberá sopesar, de maneira ótima e adequada as duas vertentes do nosso governo neste momento. A preservação das vidas, com a salvaguarda dos empregos", disse Vitor Hugo por meio de um vídeo distribuído aos seus contatos no WhatsApp.
"O presidente da República já vinha dando sinais nesse sentido, das duas vertentes. E tenho certeza de que agora, com um ministro com esse perfil, vamos conseguir avançar na compatibilização das políticas públicas ligadas aos demais ministérios. Da área econômica, da área de direitos humanos, da questão do abastecimento, da segurança pública", disse ele.