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“Plano de saúde: segurança ou incerteza" - Ney Lopes hoje na Tribuna do Norte

Postado às 05h51 | 15 Jun 2022

Ney Lopes - jornalista, ex-deputado federal, professor de direito constitucional da UFRN e advogado

O recente julgamento do STJ afeta a cobertura pelos planos de saúde de exames, terapias, cirurgias, medicamentos e tratamentos inovadores.

Aparentemente parece lógico, que os procedimentos indicados pelos médicos estejam previstos no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS).

Todavia, esse “rol” sempre não tem sido atualizado e não acompanha a evolução da medicina.

Para dar a aparência de proteção ao usuário incluiu-se a “ressalva” “de que eventuais” procedimentos de comprovação científica e sem equivalentes “poderão ou não” serem liberados pelo plano.

A emenda saiu pior do que o soneto.

Note-se a expressão “poderão”, ou seja, a decisão que envolve vida humana é tomada unilateralmente pelas empresas privadas da medicina suplementar.

O ato médico é desrespeitado e coloca o doente à mercê dos cálculos financeiros do plano.

Como exigir-se de um enfermo, em situação aflitiva, provar que a solicitação do seu médico tem comprovação científica?

E quem não disponha de recursos para ir à justiça?

Absurdo!

A melhor regra jurídica seria determinar a aplicação do Código do Consumidor, ou seja, a comprovação cientifica do tratamento indicado pelo médico seguiria o princípio da “inversão do ônus da prova”.

Caberia ao plano, em 24 horas, provar que a recomendação médica não tem base cientifica.

Caso a recusa fosse improcedente, o plano arcaria com perdas e danos, indenização por dano moral e responsabilização criminal por desídia.

A decisão do STJ não possui efeito vinculante.

Os juízes podem acatá-la ou não. 

Observa-se grave retrocesso, constitucional e legal. Isto porque, não se justifica que as operadoras se movam por ganancia econômica, mesmo sendo   legítima a busca do equilíbrio financeiro.

Afinal, embora não sendo filantrópicas, elas se obrigam a atuarem em sinergia com o SUS e como tal sujeitam-se a regulação do governo, por envolver interesse público.

A compra dos planos é feita através de contrato de adesão, que envolve a fragilidade das pessoas.

Impõe-se a tutela dos direitos fundamentais, pois diz respeito a seres humanos, dotados de dignidade a ser salvaguardada pelo ordenamento jurídico.

Os “planos privados” submetem-se aos princípios constitucionais de proteção à saúde coletiva, por serem entidades prestadoras de serviços complementares ao Sistema Único de Saúde – SUS.

A Carta Magna (artigo 6°) considera a saúde direito social; direito de todos (artigo 196) e assegura relevância pública as ações e serviços de saúde (artigo 197).

A ANS fiscaliza os Planos (Lei 9.961/2000), obrigando-os a cumprirem a Constituição.

Todos contratos dos planos de saúde estão também regulados pelos princípios do Código Civil (justiça contratual, boa-fé, probidade, função social), além do Código de Defesa do Consumidor – responsabilidade solidária, oferta, vícios e defeitos, segurança dos produtos, práticas abusivas e cláusulas nulas.

A Lei n. 9.656/98 define outros direitos.

Cuidar da saúde não é vender uma mercadoria qualquer.

Pressupõe consciência de deveres e obrigações. Isso obriga a prestação dos serviços essenciais, sem a exclusão daqueles de urgência, ou decorrentes de avanços tecnológicos.

Os beneficiários pagam contribuições, que se tornam elevadas na faixa etária avançada.

Entretanto, são frequentes as negativas de atendimento. Muitos usuários, por falta de meios, não recorrem à via judicial, transformando-se em vantagem financeira para os planos.

Os protestos não são apenas dos usuários.

A Associação Médica Brasileira publicou pesquisa, na qual 80,6% dos médicos dizem sofrer restrições dos planos de saúde.

92,4% consideram que as operadoras não investem em prevenção.

88,3% relatam que já presenciaram pacientes abandonarem tratamentos por conta de reajustes das mensalidades.

51,8% afirmam que são criadas dificuldades para a internação de pacientes.

Não procede a alegação do risco de falência dos planos, por prejuízos e inviabilidade financeira.

A maioria das empresas movimenta bilhões de reais, atrai investidores estrangeiros, promove fusões para controle do mercado, compra grupos menores, adquire redes de hospitais e laboratórios.

No primeiro semestre de 2020 tiveram lucro líquido de 15 bilhões, 66% maior que no mesmo período de 2019.

O lucro não é condenável, desde que as regras constitucionais sejam respeitadas.

Há casos de planos menores esmagados pelos “grandes”, que realmente precisam de tratamento especial.

Porém, são exceções.

Advertência final: a regulação dessa matéria será objeto de debate no Congresso Nacional, a ser eleito em outubro.

Cabe à cidadania refletir sobre quem irá à Brasília, em seu nome, eliminar a incerteza e garantir a segurança dos usuários dos planos de saúde.

 

 

 

 

 

 

 

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