Postado às 05h10 | 19 Fev 2021
El País
Veículo mais pesado, complexo e caro já lançado ao vizinho da Terra tem como tarefa buscar vestígios de vida em cratera onde se acredita que já houve um lago
A maior missão a Marte da história pousou com sucesso no planeta vermelho. O veículo de exploração Perseverance —um prodígio da técnica com uma tonelada de peso desenvolvido pelos Estados Unidos em conjunto com outros países europeus, incluindo a Espanha— pousou nesta quinta-feira na cratera de Jezero perto das 18h (horário de Brasília). Começa agora a missão mais ambiciosa da NASA até a data com o objetivo de encontrar vestígios de vida passada.
“O Perseverance está vivo na superfície de Marte”, anunciou-se no centro de controle da NASA logo após o pouso, entre os aplausos da equipe da missão.
Se essa viagem tivesse acontecido há 3,5 bilhões de anos, o Perseverance estaria no meio de um grande lago de 45 quilômetros de diâmetro alimentado por um rio que carrega sedimentos, pois assim se pensa que era a cratera de Jezero naquela época. Marte era então um planeta azul como a Terra e se sabe que nesse gêmeo gelado do nosso planeta deram-se as condições básicas para o surgimento de vida. Foi precisamente nessa era que começaram a surgir os primeiros seres vivos no nosso planeta: micróbios que provavelmente habitavam lagos, rios ou mares. Mas há milhões de anos o planeta vermelho começou a perder sua atmosfera, seu equilíbrio foi rompido e deu uma guinada mortal até se tornar o deserto congelado que é hoje.
O veículo de exploração tem seis rodas e está equipado com sete instrumentos científicos para tentar analisar a composição atômica e química do fundo do lago desaparecido em busca de rastros inconfundíveis de micróbios marcianos.
“O Perseverance [perseverança em inglês] é o veículo de exploração de Marte mais ambicioso que a NASA lançou”, explicou Thomas Zurbuchen, chefe de ciência da agência espacial dos EUA. O destino para o qual essa missão se dirige é “o mais complicado em que já se tentou pousar até hoje”, destacou o cientista.
A NASA sempre gostou de exagerar a dramaticidade que significa pousar qualquer tipo de nave em Marte. Desde o início da exploração espacial, na década de cinquenta do século passado, uma em cada duas missões ao planeta vermelho fracassou. Mas os EUA têm um histórico de sucessos sem igual no mundo: conseguiram pousar com êxito em Marte quatro veículos móveis de exploração. Este rover é o mais pesado, complexo e caro: cerca de 2,2 bilhões de euros (cerca de 14,45 bilhões de reais).
A parte decisiva do pouso aconteceu hoje, com a entrada da nave na fina atmosfera de Marte, que é 100 vezes menos densa que a da Terra. Isso significa que o atrito com o ar diminui muito menos a vertiginosa velocidade de entrada, de cerca de 20.000 quilômetros por hora. Os retrofoguetes, o enorme paraquedas e um guindaste fizeram o rover pousar na velocidade de uma pessoa caminhando. A NASA transmitiu ao vivo —com 11 minutos de atraso devido à distância— todo o pouso (veja no vídeo acima). O mais emocionante foram os “sete minutos de terror” anteriores ao pouso.
Um minuto depois de entrar na atmosfera, a nave atingiu seu pico de temperatura devido ao atrito com o ar: 1.300 graus, que foram suportados por seu escudo térmico. Após a abertura do paraquedas, de quase 22 metros de diâmetro, equivalente à altura de um edifício de sete andares, e seu posterior desengate, um dispositivo completamente novo entrou em ação: o TRN. É um sistema de inteligência artificial que tira fotos do solo e “pensa” no lugar mais adequado para tomar terra. A 21 metros do solo, um guindaste estendeu correntes de cerca de sete metros de comprimento às quais o valioso veículo estava pendurado.
Toda a sequência de pouso é automática. Os responsáveis pelo controle da missão nada puderam fazer para corrigir a trajetória ou resolver problemas. Os EUA se tornaram o único país a pousar cinco veículos de exploração consecutivos em Marte; um marco que colocará o país à frente da China, seu principal concorrente, que dentro de poucas semanas tentará chegar a Marte com um orbitador, um aterrissador e um veículo móvel, equipamentos que estão sendo usados pela primeira vez, algo que nunca foi feito antes.
O pouso do Perseverance foi documentado como em nenhuma outra missão. A nave possui câmeras que gravaram a chegada ao planeta vermelho e também microfones que registraram o som do planeta. A equipe científica e técnica levará pouco mais de um mês para verificar se todos os sistemas do Perseverance estão funcionando corretamente antes de iniciar a fase de operações. Nesta ocasião, a NASA equipou seu veículo com um modo de movimento rápido que lhe permitirá cobrir muito mais distância em pouco tempo.
Um dos principais objetivos dentro da cratera de Jezero será o antigo delta formado pelo rio que desaguava no grande lago. A missão oficial durará pouco menos de dois anos, embora provavelmente se estenda por muito mais tempo. Se tudo correr bem, os responsáveis pela missão querem visitar a área da cratera por onde entrava o antigo rio e, depois, ir para a outra região da cavidade por onde saíam as águas. São os lugares mais interessantes onde ainda podem existir moléculas orgânicas ou minerais que poderiam provar que houve vida em Marte.
“Acreditamos que os melhores lugares para procurar marcadores de vida em Jezero serão o fundo do lago ou as margens, onde poderia haver minerais carbonatados, que costumam preservar muito bem certos fósseis”, explica Ken Williford, um dos cientistas da missão, em um comunicado de imprensa da NASA. “Mas devemos lembrar que procuramos micróbios primitivos em um mundo alienígena”, enfatiza.
O Perseverance preparará o terreno para um objetivo futuro mais ambicioso: trazer terra e rochas de Marte pela primeira vez. O veículo está equipado com um sistema para selecionar as amostras mais interessantes, lacrá-las em um recipiente de metal e deixá-las na superfície. No futuro, outras missões iriam recolhê-las. O motivo é simples: por mais avançados que sejam os instrumentos a bordo deste veículo, demonstrar sem sombra de dúvida que fósseis ou vestígios de vida foram encontrados é uma tarefa que só pode ser feita na Terra.
“Como dizia Carl Sagan [célebre cientista norte-americano criador da série Cosmos], se virmos um porco-espinho olhando para a câmera, saberemos que há vida em Marte e provavelmente houve no passado”, explica Gentry Lee, engenheiro do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA. “Mas com base em experiências anteriores, isso é extremamente improvável. Afirmações extraordinárias exigem provas extraordinárias, e descobrir que houve vida em algum lugar além da Terra certamente seria algo extraordinário”, conclui.