Postado às 07h02 | 25 Jul 2020
Demétrio Magnoli
O mundo dá voltas. No auge da Lava Jato, entre o impeachment de Dilma e a prisão de Lula, os porta-vozes informais da operação exigiam a cassação do registro do PT.
Hoje, o cerco que se fecha em torno de Deltan Dallagnol sinaliza a cassação do registro inexistente do Partido da Lava Jato (PLJ). Nem a ascensão de Luiz (In) Fux (we trust) à presidência do STF parece capaz de evitar o desenlace.
O primeiro ato significaria uma violação dos direitos políticos de milhões de eleitores. O segundo é um imperativo democrático e, ainda, um pressuposto indispensável para o combate à corrupção.
O PLJ tem candidato presidencial —Sergio Moro— e conserva uma sombra de sua antiga aura em setores políticos como o PSL, o Podemos e o Novo. Mas sua estrutura orgânica é o “Partido dos Procuradores” —isto é, a corrente liderada por Dallagnol que organiza uma parcela do Ministério Público e exerce influência difusa entre juízes e policiais federais.
Moro tem direito, como qualquer brasileiro adulto, de disputar as eleições presidenciais. Mas o PLJ precisa ser extinto, em nome da preservação de um sistema judicial apolítico.
O “espírito da Lava Jato” veio à luz em 2017, quando o então procurador-geral Rodrigo Janot justificou o acordo ilegal do Ministério Público com Joesley Batista pelo objetivo de combater “o estado de putrefação de nosso sistema de representação política”.
O programa do PLJ é a criação de uma “nova democracia” protegida por um Poder Moderador que seria exercido pela casta de altos funcionários públicos não eleitos do MP.
O PLJ tentou criar um “fundo partidário” bilionário por meio da apropriação de recursos recuperados pela Petrobras. Para formar patrimônios pessoais, seus dirigentes ensaiaram montar uma empresa de palestras lastreada nas prerrogativas de investigação do Ministério Público.
A Vaza Jato evidenciou tanto os preconceitos ideológicos quanto as práticas processuais abusivas da força-tarefa, que violou sistematicamente o princípio da separação entre Estado-acusador e Estado-julgador. Depois de tudo, só o corporativismo extremado ainda impede a punição da brigada de jacobinos que desmoralizou a maior operação anticorrupção de nossa história.
A confluência do PLJ com o bolsonarismo foi um epílogo apropriado. Arautos notórios do “espírito da Lava Jato” engajaram-se na campanha de Bolsonaro, alguns deles manipulando o pretexto do antipetismo.
O juiz-candidato deu o passo decisivo, transmutando-se em ministro de um presidente que, avesso à democracia, sonha com a restauração do AI-5. No cargo, expôs o cerne de sua plataforma eleitoral pela proposição do “excludente de ilicitude”, um passaporte para matar oferecido às polícias e uma das sementes da onda de violência policial em curso.
Moro personifica um bolsonarismo envernizado, superficialmente sanitizado pelo expurgo do misticismo de extrema direita. Sua candidatura recupera o programa original do PLJ, que esvazia a democracia de suas salvaguardas institucionais prescindindo do recurso ao AI-5.
Que ele seja candidato por uma das siglas disponíveis no balcão de negócios eleitorais. O voto dirá se a maioria quer embarcar numa segunda aventura autoritária. Antes disso, o Congresso e o STF têm o dever de cassar o registro do PLJ. Nessa tarefa, ao contrário do “Partido dos Procuradores”, precisam amarrar-se ao mastro da lei, evitando o atalho do arbítrio.
Na sua jornada, a Lava Jato encarnou —e traiu— as esperanças populares de desprivatização da política e do Estado. A justiça politizada seleciona os corruptos que quer expor, segundo as conveniências de momento.
Há muito a ser resgatado da operação, que envolveu ações modelares de investigação, tanto do Ministério Público como da PF e da Receita Federal. O resgate depende da limpeza das estrebarias dos procuradores-militantes que, entre a justiça e o poder, escolheram o segundo.