Postado às 05h16 | 15 Jun 2020
Governadores estão adotando postura de cautela diante do crescimento de manifestos e atos contra o presidente Jair Bolsonaro nas últimas semanas. Embora estejam em litígio com o governo federal, o que se aprofundou na pandemia do novo coronavírus, muitos deles não estão dispostos a iniciar agora uma cruzada conjunta de ordem político-eleitoral contra o presidente.
Poucos foram os que se posicionaram sobre os manifestos lançados até agora, como o “Estamos Juntos” e o “Basta!”. Destacam-se nesse grupo Camilo Santana (PT-CE) e Flávio Dino (PCdoB-MA). Representantes da esquerda, eles fazem oposição ao presidente desde o início do governo.
Mesmo Dino, que cita uma série de mobilizações conjuntas recentes, envolvendo diferentes atores da sociedade, reconhece que o objetivo desse tipo de ação, neste momento, não é eleitoral. Ao GLOBO, o governador do Marahão afirmou que, em busca de composições, tem dialogado semanalmente com figuras do centro e da direita, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o governador João Doria (PSDB-SP) e o apresentador Luciano Huck.
O receio de encampar uma frente aberta contra o presidente não impede críticas e ações conjuntas pontuais. Na sexta, um dia após Bolsonaro pedir a seus apoiadores que entrassem em hospitais para filmar supostos leitos desocupados, o Consórcio Nordeste, união dos governos estaduais da região, divulgou uma carta criticando o presidente.
Flávio Dino cita a mobilização pela implementação da renda básica, a aprovação da Lei Aldir Blanc, que prevê auxílio emergencial para o setor cultural durante a pandemia, e o programa federativo de enfrentamento ao coronavírus como exemplos de junção de forças que têm funcionado.
— Eu acho que essa frente ampla vem se consolidando ao longo dos últimos meses. Hoje existe um bloco bastante sólido de uns 20 governadores dos mais diferentes partidos. Nessa dimensão institucional, já existe uma frente ampla pela causa da defesa da democracia. Isso vai virar uma frente eleitoral? Pode virar, mas não é o objetivo agora — disse Dino.
O governador da Bahia, Rui Costa (PT), vai na mesma linha. Ele afirma que a prioridade atual é “contornar o cipoal imobilizante a que o país foi submetido pelo governo federal”.
— Precisamos dar conta dos interesses, da dignidade, e do bem-estar de milhões de pessoas. São populações que legitimamente exigem respostas do poder público, e a união dos estados veio para contemplar tais anseios. Sabemos onde começou. A intenção é que não vire algo político ou eleitoral — afirmou.
A cúpula do PSB se reuniu na última quinta-feira para debater o cenário político. Do encontro saiu um documento que pede uma frente “amplíssima” em defesa da democracia. O governador Renato Casagrande (PSB-ES) defendeu a ideia, mas afirmou que os chefes estaduais não podem levar essa demanda para o palanque.
— Existe convergência de grande maioria dos governadores com essa relação. Não nos juntamos a esses protestos porque temos deveres e obrigações institucionais. Os partidos é que devem ser protagonistas desse movimento, não os governadores — declarou Casagrande.
Em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, na semana passada, Camilo Santana declarou apoio a uma frente ampla, mas como foco na defesa das instituições em vez de pensar num cenário eleitoral. Ele afirmou que “é momento de todos nós que acreditamos na democracia nos unirmos, deixar de remoer o passado e deixar de pensar nas eleições de 2022”.
Em São Paulo, o cálculo político que cerca João Doria é que fazer uma frente ampla contra Bolsonaro em meio à crise do coronavírus pode trazer mais desgaste do que resultado.
Há também um entendimento de que os manifestos, que nasceram em defesa das instituições democráticas num momento de escalada do embate de Bolsonaro com o Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a imprensa, assumiram um caráter anti-Bolsonaro nas ruas. Daí se distanciam do movimento das Diretas Já pela redemocratização do país.
— Virou uma frente contra o Bolsonaro e jamais pode ser montada assim uma coisa como essa — disse um aliado de Doria.
Procurado pelo GLOBO, Doria não quis comentar o tema, assim como Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul.