Postado às 05h57 | 06 Nov 2020
Estado
Relatórios de bancos e consultorias disparados nos últimos dois dias apontam que a vitória do candidato democrata Joe Biden é mais vantajosa para o Brasil porque os países emergentes vão passar a ser uma oportunidade atraente de investimento no cenário de aprovação de um novo pacote de estímulo, o que deve ampliar o apetite dos investidores e diminuir a tensão comercial.
A maior gestora do mundo, BlackRock, recomendou nesta semana aplicações nas bolsas de países emergentes porque devem crescer acima da média mundial, com essa perspectiva. A gestora é responsável pela administração de US$ 2,6 trilhões em ativos, mais do que o PIB da África. Para o banco americano Goldman Sachs, a presidência de Biden provavelmente fará uso de uma abordagem mais multilateral ao comércio global.
Como país emergente, o Brasil pode se beneficiar, mas corre o risco de o fôlego ser de curto prazo se governo brasileiro não afastar o risco fiscal e as propostas de reforma não ganharem tração no Congresso, apontam os especialistas.
Lucas Aragão, sócio da Arko, uma das maiores empresas de análise política do País, relata que nas últimas 48 horas foram divulgados diversos relatórios – como o da BlackRock e do banco de investimentos suíço UBS – apontando que os países emergentes saem beneficiados, sobretudo, pela aprovação de um pacote de estímulo que injetaria mais recursos no mercado, o que acabaria estimulando apetite por risco. “Com liquidez, as pessoas começam a olhar ativos não tradicionais. O Brasil é um ativo não tradicional”, diz.
Para Aragão, o Brasil pode também aproveitar uma onda de investimentos em áreas de energia renovável, área de interesse de Biden, já que tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Com uma política externa americana mais previsível, menos explosiva e menos baseada em sustos e tuítes, o investidor começa a caminhar num ambiente de maior previsibilidade, o principal combustível do investidor internacional.
“O pacote de estímulo, sendo aprovado, gera um cenário de oportunidades, mas esse cenário só se concretiza se o Brasil enfrentar as suas crises de conteúdo local, com a previsibilidade fiscal e política”, diz. Para ele, mesmo com a amizade de Bolsonaro e Trump, a relação do Brasil com Estados Unidos num governo Biden vai continuar sendo importante. “Os americanos não vão tratar o Brasil como não aliado”, prevê.
Para o economista-chefe da BlueLine, Fabio Akira, o ambiente mais favorável para os emergentes já está claro nos indicadores dos mercados, com as moedas desses países ganhando terreno. Na sua avaliação, o Brasil está “alinhando” com essa performance, mas a intensidade e durabilidade desse movimento está limitada pelos mesmos fatores que geraram a redução de desempenho do Brasil desde o início do ano, incertezas sobre o controle das contas públicas e o andamentos das reformas no Congresso. Entre os emergentes, o Brasil é o que teve o pior desempenho em 2020.
“Num ambiente de melhora geral, que favorece os emergentes, quem ficou para trás tende a ter um desempenho melhor numa reação inicial, mas o investimento de longo prazo depende de uma visibilidade um pouco melhor do ponto de vista fiscal e da percepção de que o crescimento é sustentável”, alerta Akira. A dúvida, diz ele, é se essa situação será apenas uma “arbitragem” de curto prazo.
No governo brasileiro, a preocupação é com uma retaliação de um futuro governo Biden aos produtos brasileiros como pressão ambiental. O temor maior é Biden usar as exigências ambientais para criar alguma represália comercial, principalmente no agronegócio, “tornando mais difícil o que não é muito fácil nas exportações”.
Autoridades ouvidas na condição de anonimato falam em pragmatismo e diálogo para afastar “narrativas” que consideram equivocadas. Assessores do governo lembram carta assinada em junho por 24 deputados democratas da Comissão de Orçamento e Tributos (Ways and Means) da Câmara dos Deputados dos EUA afirmando que têm fortes objeções à busca de qualquer acordo comercial ou à expansão de parcerias comerciais com o Brasil do presidente Jair Bolsonaro.
“O agro brasileiro tem demanda e não deve tratar sob ponto de vista ideológico. O mercado mundial precisa de nós e por isso temos de dialogar com os concorrentes e compradores”, diz o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), da bancada ruralista.
Para o presidente da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), Sérgio Suchodolski, que está à frente de um novo programa de financiamento verde, o governo Biden pode favorecer uma retomada sustentável da economia mundial no pós-pandemia. “Um ponto que já foi declarado por Biden é que ele assume o compromisso de retornar ao Acordo de Paris, o que teria um grande impacto ao financiamento do desenvolvimento”, afirma.