Postado às 04h46 | 07 Out 2020
Estado
Os EUA e a China estão no curso de uma nova guerra fria? A questão que tem inquietado o mundo foi levantada em um seminário da Fundação FHC com o cientista político chinês Lanxin Xiang, uma voz privilegiada para trazer luzes ao problema: Xiang é Ph.D. pela Universidade Johns Hopkins e diretor do Centro de Pesquisa sobre a nova Rota da Seda, em Xangai.
“O conceito de uma nova guerra fria talvez esteja desatualizado”, advertiu Xiang. “As coisas mudaram tão rápido nos últimos meses que começo a me preocupar não se entraremos em uma guerra fria, mas numa quente.”
Diferentemente da União Soviética, a China não tem interesse numa disputa militar com os EUA em escala global. No entanto, a assertividade do regime de Xi Jinping pode criar zonas de atrito na Ásia. A velocidade do crescimento econômico levou o Partido Comunista a abandonar a diretriz de “baixa voltagem” que guiara as relações internacionais chinesas por décadas. Em 2017, Xi Jinping asseverou: “A China se ergueu, ficou rica, forte e está se movendo para o centro do palco”. Mas, como nota Xiang, talvez esteja se movendo rápido demais, com demasiada agressividade. Ao mesmo tempo, domesticamente, as restrições aos direitos das minorias e à liberdade de expressão também recrudesceram.
Uma das apreensões é com o efeito que as eleições americanas podem ter numa redefinição de um alvo externo. Donald Trump, sabidamente ambíguo em relação a questões ideológicas, está sempre disposto a relativizá-las em nome de bons negócios, mas os chamados “falcões” em seu governo podem ver nas eleições uma oportunidade para desencadear uma postura mais agressiva.
Em resumo, segundo Xiang, a volatilidade da situação atual deriva, por parte dos EUA, de uma maior pressão, tanto de democratas como de republicanos, em relação aos desmandos do regime comunista, mas sem uma estratégia clara que permita estabelecer compromissos. Por outro lado, ele manifestou a expectativa de que no pós-pandemia a China se mostre capaz de mais transparência e de preterir interesses imediatos em nome de valores universais, por exemplo, não politizando a distribuição das vacinas.
Tal expectativa pode se mostrar otimista. Ainda assim, um diferencial importante em relação à guerra fria é que a disputa não é por predominância militar, mas tecnológica. Como em toda disputa, há tensão. Mas, como apontou o embaixador Luiz Augusto de Castro Alves, as duas estruturas estão tão entrelaçadas na cadeia de produção e finanças, que EUA e China “são como um casal que se separou, mas que coabita na mesma casa, porque não tem condições de manter duas casas separadas”.
O caso de Taiwan é exemplar, porque mostra in nuce como as relações entre o Ocidente e a China podem progredir rumo a compromissos realistas ou degenerar em um conflito armado.
Não há expectativa de que a China renuncie à ideia de Taiwan como uma parte “sagrada” de seu território. Por outro lado, Taiwan é há três décadas uma democracia vibrante com mais de 24 milhões de habitantes. Um reconhecimento completo da independência de Taiwan seria contraproducente. “Não tenho dúvidas”, disse Xiang, “se Taiwan declarasse independência, a China a invadiria em menos de 24 horas.” É um risco que seus aliados democráticos não podem correr. Ao mesmo tempo, eles precisam ser capazes de promover mais interações com Taiwan e estimulá-la a participar de organizações internacionais. Sobretudo, essa ação precisa ser coordenada, de maneira que uma tentativa de retaliação por parte da China leve ao isolamento do país continental. A situação é similar à de outros países asiáticos, assim como à das minorias na China, ameaçados pela agressividade do Partido Comunista.
Em outras palavras, num futuro próximo não é possível afastar o espectro de uma guerra fria entre os EUA (e o Ocidente) e a China. Mas a presença de interesses econômicos comuns e a ausência de uma zona de conflito militar direto oferecem ao menos boas condições para que negociações diplomáticas bem costuradas mantenham a temperatura baixa.