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"Os “nós” da reforma tributária" - artigo de Ney Lopes, na "Tribuna do Norte"

Postado às 05h45 | 05 Ago 2020

O governo dá o “ponta pé” inicial na reforma tributária.

No passado, diante de tentativas semelhantes, sempre entraram em cena os apologistas da redução drástica do Estado, que através da desinformação e manipulação de dados, criaram falsos argumentos para impedir a verdadeira justiça fiscal.

No presente, o comando da reforma será do “tzar” Paulo Guedes, que recebeu total delegação de poderes. O Presidente da República, de “olho” em 2022, limita-se a repetir o jargão, de que “povo não aguenta mais tributos”.

Como é sabido, o ministro da Economia segue de forma ortodoxa a “Escola de Chicago”, que conduz ao definhamento do estado e a supremacia do mercado.  

Seria insanidade a defesa de mais impostos.

Todavia, não se justifica omitir a necessidade de financiamento do Estado, preservada a racionalização dos gastos, para ser obtida maior eficiência no atendimento das necessidades sociais básicas, sobretudo após a pandemia.

A sociedade precisa ter o conhecimento, de que criar novas receitas, não significará aumento de tributos, mas sim eliminação de privilégios fiscais. Negar essa realidade será o mesmo que conceder, antecipadamente, “carta de seguro”, para “inibir” as mudanças na estrutura tributária.

Aliás, o país já assistiu ao filme da busca frenética de “sobras” orçamentárias para suprir o déficit público, através da subtração de direitos históricos dos servidores (civis e militares), assalariados, classe média, agricultores, pequenos e médios empreendedores, que, ao final, “pagaram o pato sozinhos”.

A estratégia de “não criar impostos” é o meio de manter intocáveis “isenções” como àquelas concedidas aos donos de helicópteros, jatinhos de luxo, lanchas, iates particulares, enquanto os proprietários de carro, moto, caminhão e ônibus pagam obrigatoriamente o tributo.

Até hoje não se fala na possibilidade de novas fontes de receitas, como o imposto sobre grandes fortunas (já previsto no artigo 153, VII), lucros e dividendos, comércio digital (tendência global), correções na tabela de descontos do IR da pessoa física para aquecer o mercado consumidor.

Em nome de “não criar impostos” continuariam incólumes as isenções vigentes de carnes nobres, como o filé mignon, queijos (do gorgonzola ao chantilly), alguns tipos de peixe (incluindo salmão), peru, pato e até ovo de jacaré.

Em nome de “não criar impostos”, o assalariado continuaria sendo taxado no consumo (alimentos, medicamentos...), ao contrário dos países da OCDE, órgão que o Brasil pleiteia ingressar, que concentram a tributação na renda e patrimônio. É de 3% a arrecadação brasileira com impostos sobre patrimônio.

A média mundial é 12%, significando que os brasileiros pobres e de classe média pagam, proporcionalmente à sua renda e ao seu patrimônio, muito mais impostos do que os ricos. Se todos são iguais perante a lei, esse é um problema não apenas social e moral, mas também constitucional.

Em nome de “não criar impostos” silencia-se em relação ao fato do Brasil e a Estônia (extensão territorial duas vezes maior do que Sergipe e população equivalente a Recife) serem os únicos países no Ocidente, que “isentam” a renda auferida na distribuição de lucros e dividendos, o que poderia até existir, porém restrito a pequenos e médios empresários, como estímulo à ampliação dos negócios.

Enquanto isso, os assalariados em geral estão sujeitos ao imposto progressivo. Quem ganha acima da faixa de isenção R$ 1.903,99 por mês, submete-se a alíquota de 27,5% de IR. Incrivelmente, os beneficiários da “isenção” correspondente a lucros e dividendos pagam, em média 6%, se considerados apenas os rendimentos com outras origens.

Em nome de “não criar impostos” continuariam “esquecidos” temas como a sangria desatada de subsídios, isenções fiscais e juros subsidiados.

Estudos do TCU, BM e IPEA mostram que 44% desses favores não têm fiscalização na aplicação, no prazo de vigência, nem na avaliação periódica de resultados. Em 2018, a renúncia fiscal atingiu R$ 314,2 bilhões, correspondendo a 4.6% do PIB, quando a média mundial é de 2%.

 No primeiro semestre de 2020 (plena pandemia) as renuncias somaram R$ 171 bilhões.

Acabar com as políticas de incentivo fiscal não seria a medida adequada.

O que se impõe é “pente fino”, para destinar parte dos recursos às áreas prioritárias, como saúde, educação, segurança e outras.

Desatar os “nós” é a tarefa pela frente. Resta saber, se o propósito será aprovar uma reforma tributária abrangente e justa, ou, como no passado, apenas preservar “interesses pontuais”, daqueles que sempre saíram ganhando, como demonstrado neste artigo.

 

 

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