Postado às 06h21 | 15 Abr 2021
A novela da sanção do Orçamento está longe de um capítulo final. Em reunião na terça-feira à tarde no Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), alertou o presidente Jair Bolsonaro que o governo perderá a base de apoio caso vete o projeto e não conseguirá mais aprovar nenhuma matéria no Congresso, incluindo as reformas administrativa e tributária.
Já o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a defender o veto com o argumento de que Bolsonaro pode cometer crime de responsabilidade, que poderia acabar desembocando num processo de impeachment. Guedes, mais uma vez, chegou a colocar o cargo à disposição, mas não foi levado a sério.
Para um dos presentes à reunião no Planalto, o problema é que Bolsonaro vê ameaça de impeachment por toda parte. Além do presidente, Lira e Guedes, estavam lá os ministros Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil), Flávia Arruda – que, como titular da Secretaria de Governo, é responsável pela articulação política do Planalto com o Congresso – e Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União). O grupo de Lira aposta que, se houver rompimento, Flávia Arruda deixaria o cargo para o qual foi recém-nomeada. Uma saída dela do governo, porém, não foi discutida na reunião. O Estadão apurou que Flávia não admite essa hipótese.
A poucos dias do prazo final para Bolsonaro tomar uma decisão, o encontro foi tenso e acentuou ainda mais a divergência entre a área econômica e a política. O discurso do ministro da Economia de que age para proteger o presidente, como se o Congresso quisesse prejudicá-lo, tem ajudado a colocar ainda mais lenha na fogueira.
A aprovação do Orçamento é fundamental para o País fazer frente às despesas, ainda mais com o recrudescimento da pandemia. O Estadão apurou que, durante o encontro, Lira voltou a dizer que Bolsonaro não cometerá nenhum crime de responsabilidade ou pedalada fiscal, caso sancione o Orçamento, porque o texto foi aprovado pelo Congresso, e não executado pelo governo.
Na avaliação do presidente da Câmara, o governo pode corrigir os “excessos” e garantir o pagamento das despesas obrigatórias, como a da Previdência, ao longo do ano. Tem instrumentos para isso, como bloqueios do Orçamento ou remanejamentos.
Lira apresentou como solução para o impasse a sanção total do Orçamento, seguida do envio de um projeto de lei para corrigir os excessos de emendas parlamentares encaixadas pelo relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), sob o patrocínio do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP). O projeto também serviria para refazer as projeções de gastos obrigatórios que foram subestimados, incluindo, por exemplo, o impacto do reajuste do salário mínimo nos benefícios sociais.
O problema é que o entorno do presidente teme que o Congresso não aprove o projeto, deixando Bolsonaro em risco. Mesmo Lira dando a palavra de que o projeto será votado, há desconfianças. Para auxiliares do presidente, seguir essa receita seria deixar Bolsonaro nas mãos de um Legislativo que já deu várias demonstrações de traição ao longo de sua história.
Interlocutores de Bolsonaro disseram ao Estadão que Lira tenta convencer o Planalto de que sua palavra vale. Aliados do Centrão argumentam que, se o presidente vetar o texto, passará a ter problemas que não enfrenta hoje, como a falta de uma base no Congresso no momento em que sua popularidade está em queda e há uma centena de pedidos de impeachment na gaveta. Além disso, há uma CPI da Covid chegando. “Você não tem um problema hoje, mas passará a ter”, disse Lira a Bolsonaro, ao seu estilo, sem meias-palavras.
O presidente foi informado na reunião de que as projeções das despesas do governo com aposentadorias e pensões da Previdência estão superestimadas. Consultores legislativos apontam que os gastos devem fechar este ano em R$ 706 bilhões, número menor do que os R$ 720 bilhões previstos pela Economia. O Orçamento, porém, foi aprovado com R$ 698,5 bilhões para os benefícios.
O risco do impeachment é justamente sancionar um Orçamento com despesas obrigatórias, como o pagamento de aposentadorias e pensões, subestimadas para aumentar a fatia de emendas parlamentares.
Mas os que defendem a sanção integral do Orçamento têm reforçado para o presidente os argumentos de que não há perigo à vista. Já estão desse lado a CGU e a Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ), órgão de assessoramento da Presidência. Bolsonaro, no entanto, ainda está reticente em se fiar no Congresso.
Na tentativa de garantir mais segurança jurídica para o estouro do teto de gastos – regra que impede as despesas de crescerem em ritmo superior à inflação –, o Congresso tem a disposição de aprovar a PEC fura-teto. A proposta foi planejada pela equipe econômica para retirar ao menos R$ 35 bilhões da norma constitucional.
Para o comando do Congresso, a PEC é “meritória”, mas precisa ser apresentada pelo governo e deve ser usada como solução para a sanção do Orçamento sem vetos, juntamente com o envio do projeto de lei. “O problema foi na unha, e Guedes quer cortar a mão”, criticou um interlocutor de Bolsonaro que acompanha as discussões sobre a atuação do ministro.
Em determinado momento da reunião, na terça-feira, foi oferecida a Guedes a chance de construir uma narrativa favorável a ele, que justificaria a sanção do Orçamento sem parecer um recuo. O ministro já afirmou que, da forma como foi aprovada, a peça é ‘inexequível’. O alerta levou Bolsonaro a dizer a empresários, na semana passada, que não vai “colocar o dele na reta”.
A sugestão dada a Bolsonaro para que ele e o vice-presidente, Hamilton Mourão, fizessem uma viagem ao exterior, abrindo espaço para Lira assumir a Presidência e, assim, sancionar o Orçamento, como revelou o Estadão, foi mencionada. Lira a tratou como ironia. E brincou que, se assumir a Presidência, vai fazer uma reforma ministerial.
Na reunião, o ministro da Economia bateu a todo momento na tecla dos riscos de perda de mandato ou, ainda, de Bolsonaro se tornar inelegível. O presidente chega a olhar para cima quando Guedes começa o discurso e parece entrar no “modo automático”, como definiu um dos presentes ao encontro. Mesmo assim, não planeja substituir o ministro da Economia, a não ser que ele queira, por se sentir em dívida. Foi o ministro quem garantiu a Bolsonaro, durante a campanha, o apoio do empresariado e do mercado financeiro.
As críticas à atuação de Guedes e de sua equipe, porém, já não são feitas apenas por militares. Seriam compartilhadas até mesmo pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Cotado como opção número 1 para substituir Guedes, Campos Neto tem afirmado, em conversas privadas, que a equipe do ministro se revelou incompetente. Ele poupou, porém, o ministro, a quem tem gratidão. Procurados, Guedes, Lira, Flávia Arruda e Campos Neto não se manifestaram.