Postado às 05h25 | 01 Jun 2022
Ney Lopes - jornalista, ex-deputado federal, professor de direito constitucional da UFRN e advogado
Sob o argumento, de que a universidade pública gratuita beneficia os mais ricos, a emenda constitucional (PEC 206), em tramitação, propõe que essas instituições cobrem mensalidades de seus estudantes.
Certamente, o objetivo será privatizar o ensino superior público do país.
De fato, a educação superior brasileira foi no passado uma máquina de produção de desigualdades de renda.
Hoje, não é mais.
Senão vejamos, com argumentos.
Sem os cuidados de analisar o sistema educacional brasileiro, alguns repetem que o pagamento de mensalidades em universidades públicas obteria mais recursos para melhorá-las e apregoam, que hoje os impostos dos pobres pagam a faculdades dos ricos.
Conclusão precipitada, por deixar de considerar a expansão do nosso sistema público.
Entre 2000 e 2015, as matrículas pularam de 880 mil para dois milhões.
O processo de interiorização das Universidades descongestionou os grandes centros urbanos.
A Lei de Cotas mudou o perfil da universidade.
Negros e pobres ocupam metade das vagas, por serem originários da escola pública.
Uma pesquisa de 2019 confirma, que 70,2% dos estudantes das universidades federais é de baixa renda, com rendimento familiar mensal de até 1,5 salário mínimo.
Apenas 4,3% dos estudantes dessas instituições têm renda familiar mensal superior a cinco salários mínimos.
Em 2001, os de renda elevada ocupavam 55% do ensino superior público. Esse percentual caiu para 23% em 2020.
A PEC 206 impõe o pagamento integral da anuidade, o que significaria nova barreira de acesso para estudantes de baixa renda.
Em momento de reconstrução pós pandemia, a cobrança de mensalidades serviria mais ao sucateamento do ensino superior e menos à melhoria de qualidade.
A mensalidade não seria suficiente para garantir e manter o modelo de universidade com carreira dos servidores em dedicação exclusiva e laboratórios de pesquisa em funcionamento.
A consequência a médio prazo seria uma redução drástica dos recursos públicos destinados às universidades.
Note-se que atualmente, mesmo vigente a garantia constitucional do ensino superior gratuito, o governo bloqueou discricionariamente 14,5% da verba para custeio e investimento de universidades federais.
A decisão afetará também a CAPES, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, que gerencia hospitais universitários e o FNDE, que auxilia estados e municípios na garantia da educação básica.
A UFRN pode parar de funcionar.
Nos Estados Unidos, o pagamento de anuidades não é como se propaga.
O governo participa com um terço dos custos, além das doações privadas, incentivadas por leis de renúncia fiscal e operações no mercado.
As taxas pagas pelos alunos respondem por apenas 20% do orçamento total do sistema.
A OCDE e o Fórum Econômico Mundial de Davos, órgãos internacionais que representam o capitalismo global, recomendam que a solução para os países em desenvolvimento será através de mudanças na tributação.
O princípio básico é tributar em função da renda e não do consumo.
Hoje no Brasil, o sistema tributário onera o consumidor e isenta, por exemplo, bilhões de reais distribuídos a título de lucros e dividendos, o que não é adotado no mundo capitalista global.
Observe-se, que países mais ricos não cobram dos estudantes, em qualquer nível do ensino superior, como a Noruega, Dinamarca, Portugal, Finlândia e Suécia, Eslováquia, Turquia, França, Alemanha e Eslovênia.
Por que o Brasil iria cobrar, tendo acentuados índices de desigualdade social?
Além de impedir o acesso à Universidade das classes de baixa renda, sacrificaria ainda mais a classe média, hoje já tão onerada.
O debate desse tema associa a proposta de retorno ao financiamento direto ao estudante da Universidade pública, através do “crédito educativo”, que foi objeto do projeto de lei de minha autoria nº 274/75.
Os governos mudaram o nome e substituíram-no pelo FIES, completamente diferente do crédito educativo original, por financiar exclusivamente anuidades de faculdades particulares.
O país espera, de um lado a rejeição da PEC 206 e de outro a volta do “crédito educativo”, que financie em até três salários mínimos os estudantes carentes das Universidades públicas, para ajudá-los na manutenção pessoal.
A solução financeira está na tributação socialmente justa e não transformar a educação universitária em mercadoria.