Postado às 06h38 | 03 Jan 2022
Ney Lopes
Diante de arreganhos autoritários, pregações de fechamento do STF, ameaças às instituições democráticas, é sempre atual a frase de Montesquieu:
“Uma injustiça feita a um só homem é uma ameaça feita a todos”.
Certamente, defensores de regimes à margem da lei, com poderes absolutos outorgados ao executivo, afirmarão que essa é uma posição afastada da realidade.
As múltiplas democracias globais mostram o contrário, ao conviverem com a liberdade e corrigirem pelas vias legais os possíveis erros desse sistema político.
A propósito, o jornalista Elio Gaspari, em artigo recente, lembrou o livro “Recurso final”, do repórter Paulo Markun, que conta a vida e a morte de Luiz Carlos Cancellier, o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, que foi preso em setembro de 2017 pela “Operação Ouvidos Moucos” da Polícia Federal.
O ex-juiz Sergio Moro não participou do episódio.
A prisão temporária do reitor foi decretada pela juíza substituta da 1ª Vara Federal de Florianópolis, Janaina Cassol Machado, cumprida pela PF.
A juíza consultou o Ministério Público Federal (MPF), no caso o procurador da República André Bertuol, que concordou com os pedidos da delegada Érika Mialik Marena.
Em tais circunstâncias, a juíza atendeu o pedido da PF.
Observe-se, que tudo teve origem em um inquérito da PF presidido pela delegada federal Érika Marena, coordenadora da Lava Jato, em Curitiba (PR), no período mais tumultuado da operação.
Posteriormente, a delegada foi chefe do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) da PF, convidada pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, ex juiz da 13ª Vara Federal, em Curitiba, o símbolo da Lava Jato
O reitor e docentes foram submetidos a espetacularização da investigação, expostos à execração pública, sendo réus antes de instaurado o devido processo legal, antecipando o julgamento, punições e crueldade típicas de regimes de exceção, tudo em nome do “combate a corrupção”.
Os direitos individuais desrespeitados.
Prevaleceu a visão particular e subjetiva de alguns agentes públicos, que agiram invocando a democracia, a probidade e a lisura de conduta.
O reitor Cancellier foi vítima da inveja e da intriga sórdida de inimigos gratuitos, que deram origem a denúncia anônima.
Com roupa de preso, ele foi conduzido para celas de elementos de facções criminosas.
Nunca foi ouvido, tinha domicílio certo, sabido, algemado e colocado numa espécie de jaula.
Libertado, foi proibido de entrar na universidade.
Semanas depois, matou-se, aos 58 anos, pulando do sétimo andar de um shopping.
No bolso, deixou um bilhete: “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade”.
Este fato não pode ser esquecido pelos que se opõem aos “extremismos” de esquerda e direita.
Com todas as imperfeições, os poderes constitucionais traduzem o ponto de equilíbrio, sendo necessários para a preservação das liberdades públicas.
Não há outra alternativa para quem tenha bom senso, e sobretudo, sólida formação humana e cristã.