Postado às 06h24 | 26 Abr 2023
Ney Lopes
Um tema delicado de análise é a questão das pessoas acusadas de envolvimento nos atos de 8 de janeiro, em Brasília.
Conforme levantamento do STF, das 1,4 mil pessoas que foram presas no dia dos ataques, 294 (86 mulheres e 208 homens) continuam no sistema penitenciário do Distrito Federal
Esclareça-se, por fundamental, que o vandalismo não pode ser protegido e exige punições severas.
Entretanto, por estarmos numa democracia, todos eles têm direito ao devido processo legal.
Cabe lembrar que o devido processo legal está garantido no artigo 5º da CF/88:
“LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal [..]”
O que se pede, até em defesa dos direitos humanos fundamentais, é a mínima separação do “joio do trigo”, ou seja, demonstração nas peças acusatórias da responsabilidade penal de cada réu.
A isto se chama “individualização” do presumido delito, de forma que se aplique, quando cabível, a liberdade provisória do réu para responder a ação penal.
O objetivo é garantir segurança jurídica e proporcionalidade das punições, fazendo justiça e evitando excessos arbitrários.
No caso do movimento de 8 de janeiro, em Brasília, os dois inquéritos concluíram pela imputação de crimes qualificados como hediondos, que não permitem a liberdade provisória do réu, mesmo atendidas as exigências da lei.
Quer dizer: as denúncias, por “entendimento pessoal” de interpretação dos inquéritos, condenaram antecipadamente todos os réus, tirando-lhes o direito à liberdade provisória.
Pelos naturais vínculos políticos do episódio de 8 de janeiro, surge a indagação se realmente “todos” os presos denunciados tiveram participação “idêntica” e “dolosa” nos acontecimentos, ou – pelo menos alguns – agiram culposamente, imaginando tratar-se de uma manifestação meramente política.
Há quem afirme ter apenas atendido convites para participação em concentrações políticas, inclusive na frente do QG do Exército.
Cabe, portanto, analisar a individualização da participação de cada um, para efeito de caracterizar a conduta de cada acusado. Não pode haver generalizações de condutas.
Esse critério levará em conta as características “pessoais” do acusado, bem como, as circunstâncias em que o delito fora praticado.
O entendimento se encontra pacificado pelo Supremo Tribunal Federal. (HC nº 102.278/RN, Relator o Ministro Aires Brito. j. 19/10/2010).
É perfeitamente possível que, diante das circunstâncias políticas do país, militantes partidários tenham agido por motivação política.
Pela legislação vigente, o ato praticado por motivação política, não pode ser tipificado como terrorismo.
Diante do exposto, mesmo já decidido o recebimento das denúncias pelo STF, como se trata de matéria de defesa de direitos constitucionais individuais, caberia o exame individual dos pedidos de liberdade provisória, desde que o acusado prove bons antecedentes , conduta social de correção, e a inexistência de indícios ou presunções de práticas excessivas no movimento de 8 de janeiro.
O fundamento é o artigo 231. do CPP, que, salvo os casos expressos em lei, asasegura às partes apresentação de documentos em qualquer fase do processo.
Entende-se por documento a possibilidade do seu conteúdo contribuir para a correta aplicação da lei penal no caso concreto.
Rui já declarou: “Onde quer que haja um direito individual violado, há de haver um recurso judicial para a debelação da injustiça; este, o princípio fundamental de todas as Constituições livres. ”
O Barão de Montesquieu completou: “A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos”.
Por fim, a reafirmação da crença no Excelso STF, que historicamente tem a vocação de resguardar as liberdades e direitos individuais.
Em tempo: As anotações deste artigo inspiram-se exclusivamente no compromisso do autor com as liberdades democráticas e com a preservação dos direitos humanos, que não se confundem com bandeiras políticas do bolsonarismo ou do lulismo.