Postado às 05h18 | 22 Jun 2022
Ney Lopes - jornalista, ex-deputado federal, professor de direito constitucional da UFRN e advogado
Sempre me inquietou a fixação do “salário mínimo” no Brasil, pelo fato de ocorrerem sucessivas crises políticas e choques entre Governo e Oposição, no período do reajuste.
Como deputado federal, durante 24 anos, não me omiti.
Quando fui relator da CPI do Salário no Congresso Nacional, iniciei a defesa da implantação do “salário do crescimento”, que consistiria em vincular o valor do mínimo a média de aumentos da cesta básica e mais o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).
Em 08 de maio de 1991 dei entrada ao primeiro projeto de lei n° 937/91, que reapresentei outras vezes.
Deixei a Câmara e ninguém se interessou em prosseguir esse debate.
Os países econômicos, social e culturalmente desenvolvidos são os que apresentam o nível salarial satisfatório, como meio de manter o crescimento econômico e aquecer o poder de compra.
Ao contrário do que se diz toda vez que o salário "encolhe", crescendo em ritmo mais fraco que o aumento dos preços, propaga-se efeito recessivo.
A redução (do salário mínimo) diminui o consumo e desacelera a economia.
A crise nacional é determinada por vários fatores, principalmente problemas do desempenho geral da economia e não especificamente pelo salário pago aos trabalhadores.
A doutrina social da Igreja Católica preconiza “que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário”.
Passou-se a dar importância ao aspecto subjetivo da remuneração referente às necessidades impostas ao trabalhador como próprias da sua vida (LEÃO XIII) ”.
Atualmente, na pós pandemia, as preocupações sociais conduzem a verdadeira revolução do capitalismo.
Veja-se que na última semana, a empresa britânica Rolls-Royce voluntariamente aprovou um aumento salarial de 4% aos seus trabalhadores de fábrica e ainda um pagamento extraordinário de 2 mil libras para ajudar a fazer face à subida do custo de vida
A proposta que defendo estabeleceria o prazo de três a seis anos para recuperação do valor real do salário mínimo.
O trabalhador e os empregadores se tornariam sócios do crescimento econômico.
Ao vincular ao salário o múltiplo do PIB, apurado no ano-calendário respectivo, asseguraria participação efetiva no lucro nacional, recuperando defasagens anteriores.
Desse modo e na proporção do crescimento seria diminuído o enorme fosso daqueles que percebem o salário mínimo aquém da previsão constitucional.
Por outro lado, para evitar mobilizações políticas às vésperas da concessão, o “salário do crescimento” (substitui o mínimo) seria ato gerencial do Executivo, a exemplo de Portugal.
Caberia ao Congresso Nacional, no exercício do seu poder fiscalizador e com base no artigo 49, V, da Carta Magna, sustar o ato, se fosse o caso, por excesso no valor, ou não atender as necessidades vitais do trabalhador e às de sua família, como prescreve o artigo 7°, IV, do mesmo texto constitucional.
A recuperação do poder aquisitivo se faria também, através da criação do índice de preço do salário mínimo (IPSM), que refletiria através de média ponderada em todos os estados, a efetiva variação de preços dos itens da lista de produtos, bens e serviços vitais para satisfazer as necessidades do trabalhador e sua família.
Uma regra justa, já que não mediria apenas alimentação, mas todos os itens, inclusive a substituição de certos produtos em períodos de escassez, o que ocasionaria reflexos menores no aumento geral dos níveis de preços.
O salário mínimo do crescimento asseguraria o poder aquisitivo. Em períodos de crescimento negativo haveria a negociação recomendada pela OIT.
A isso se chama justiça social, sem demagogia, nem populismo, abrangendo os interesses dos dois atores da economia: empresários e trabalhadores.
Infelizmente, a proposta apesar de ter sido apoiada até por entidades de empregados e empregadores, não sensibilizou o governo, nem o Congresso.
A oposição sempre deseja usar o salário mínimo como pólvora política e o governo como instrumento de distribuição de benesses.
Entretanto, como já vaticinou Picasso “uma ideia é um ponto de partida. Logo que se começa a aperfeiçoá-la é transformada em realidade”.
No futuro Congresso Nacional, essa proposta do “salário do crescimento” terá que voltar a ordem do dia.
Espero que possa encaminhá-la no Senado Federal.