Postado às 06h04 | 04 Nov 2023
Ney Lopes
Uma questão que sempre acende fogueiras políticas e ideológicas é a privatização de empresas públicas.
De um lado, os que defendem o estado reduzido, através da venda dessas empresas ao investidor privado.
De outro, aqueles que pregam o estado à frente das atividades econômicas, consideradas estratégicas.
É o caso de dizer “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”.
Um vício que deforma muitas privatizações é o investimento privado demonstrar interesse, porém sem assumir totais responsabilidades financeiras, recorrendo a favores estatais.
Os potenciais adquirentes, regra geral, protegem-se com o “guarda-chuva” estatal, que tanto condenam.
Estive em Portugal recentemente e vi alguns lances da controvertida privatização da empresa aérea TAP, que servem de reflexão no debate sobre privatizar ou não.
Os possíveis compradores da TAP desejam assumir apenas rotas rentáveis, tais como, para o Brasil e, eventualmente, algumas para África e recentemente os Estados Unidos.
A tradicional empresa portuguesa dispõe de aviões modernos, tripulações experimentadas e de qualidade, que podem voar para qualquer local do mundo.
Pelo que se observa até hoje, a compra da TAP seria decidida entre o grupo IAG, o grupo Air France/KLM e o grupo Lufthansa.
A exigência desses adquirentes é que não haja qualquer qualquer participação do Estado Português.
Nenhuma empresa brasileira demonstrou interesse.
O curioso é que todos os possíveis compradores da TAP são semi-estatais.
A IAG é uma empresa holding, formada em 2010, como resultado da fusão das companhias aéreas British Airways, Ibéria e um conjunto de outras companhias de aviação espanholas, como a Vueling e a Air Europa.
O maior acionista do grupo IAG é o governo do Catar muito à frente de vários fundos de investimento internacionais.
A IAG, portanto, é uma empresa pública", controlada pelo Estado do Qatar, com sede em Londres e cotada na bolsa de Madrid.
Air France/KLM outro exemplo de estatal travestida de “privada”.
Os maiores acionistas são em maior proporção o Estado francês, seguido do Estado holandês e ainda o governo chinês, através da China Eastern Airlines.
É possível que uma empresa com a maioria do seu capital na mão de três governos ser uma empresa privada?
O grupo Lufthansa tem cerca de dois terços do capital pertencentes a alemães, com predominância da empresa “Kühne Aviation”, do bilionário alemão Klaus-Michael Kühne.
O Estado alemão aproveitou a pandemia e adquiriu expressiva fatia de ações.
Já vendeu com lucro parte essa participação. A empresa recebeu ainda um empréstimo no valor de 3 bilhões de euros do banco estatal KfW.
Todas essas ajudas foram para que a empresa não fosse vendida à iniciativa privada.
A estatal TAP lucrou 203,5 milhões de euros nos primeiros nove meses deste ano, depois de no período anterior ter sofrido prejuízo de 90,8 milhões de euros.
Este número positivo ajudará o Governo prosseguir ou não na privatização.
O exemplo dado, demonstra que a privatização não é “varinha mágica”.
É antes de tudo uma ação econômica, que aposta na boa gestão, a qual pode existir nas mãos do Estado, ou privadas.
Aliás, historicamente a TAP demonstrou extrema competência, quando desapareceram as companhias de aviação do Brasil (a Varig, Transbrasil e Vasp).
Soube posicionar-se nesse mercado de mais de 200 milhões de pessoas.
Se o Brasil ainda tivesse empresa competitiva, a TAP seria apenas submarca no mercado aéreo.
Como isso não aconteceu, talvez seja realmente a hora de ponderar, se a privatização da TAP será um bom ou mau negócio.
(Artigo publicado no jornal AGORA RN de hoje)