Postado às 05h43 | 12 Jun 2022
Ney Lopes - jornalista, ex-deputado federal, professor de direito constitucional da UFRN e advogado
A alta insuportável dos preços dos combustíveis coloca no debate a privatização da Petrobras.
Caso a Petrobras seja privatizada, os preços dos combustíveis irão cair?
Deixo claro, que sou favorável a privatização daquelas empresas públicas deficitárias e os setores da economia, nos quais o Estado não deveria estar.
Essa discussão deve ser pautada pelo equilíbrio, por tratar-se de patrimônio relevante, que está em jogo.
Sem dogmas ideológicos ou radicalizações inúteis, a regra é sempre comprovar a exigência ou não da presença do Estado.
Inexiste estado mínimo, ou máximo, mas sim estado necessário.
Recorde-se a importância da ação do estado no combate a pandemia.
Os Estados Unidos são exemplo de um estado fortíssimo, preservadas as liberdades.
A propósito, ao contrário do que se propaga, lá funcionam mais de 35 mil estatais.
A década de 90 estimulou privatizações, que deixaram legado de insatisfação e prejuízos.
É uma tendência crescente, a reestatização de empresas, que cuidam de serviços essenciais e recursos estratégicos.
Pesquisa do “Transnacional Instituto” – centro de estudos em democracia e sustentabilidade – confirma que, pelo menos 1.408 serviços, foram reestatizados no mundo.
Nos EEUU (que se acredita seja um país de Estado mínimo) ocorreram 230 casos (principalmente em serviços de água e telecomunicações).
Vejamos o caso da Petrobras.
Muita gente não sabe, que desde 1995 acabou o monopólio do petróleo no Brasil.
Fui no Congresso Nacional, o relator geral da Emenda Constitucional nº 6/95, que permitiu o contrato de risco.
De lá para cá, muitas companhias privadas chegaram para atuar ao lado da Petrobras na extração e produção de petróleo.
No RN há exemplos de empresas particulares extraindo petróleo.
A Petrobras hoje é rentável.
Não se pode confundi-la com os desmandos apurados na Operação Lava Jato, que constataram grupo de 24 firmas, integrantes de um cartel, que causou prejuízo de R$ 12,3 bilhões.
Esse valor atualizado e com juros é hoje superior a R$ 18 bilhões.
A situação fnanceira inverteu-se.
No primeiro trimestre deste ano, foram mais de R$ 14 bilhões em dividendos, após lucratividade de R$ 44,5 bilhões.
Dando lucro, por que privatizá-la?
Por que não usar o rendimento auferido pelo governo - sócio majoritário da empresa - para um fundo de estabilização, que suavizaria as subidas e as quedas de preços, além de investimentos no etanol, para diminuir a dependência dos derivados de petróleo, a longo prazo?
A experiência global demonstra, que no caso dos combustíveis, a influência na fixação de preços depende da conjuntura econômica externa.
Associar diretamente a queda dos preços dos combustíveis ao sucesso na privatização não é o melhor caminho.
Há o risco de piorar com a privatização.
Transfere-se o monopólio do Estado para o monopólio particular, que adotará critérios de comercialização e margens diferentes de lucro.
Se nas mãos do governo é impossível baixar preço, imagine na área privada.
O fundamental é boa gerencia e critérios rigorosos de contratação.
A indústria de petróleo mundial foi controlada pelo cartel das chamadas “Sete Irmãs”: Royal Dutch, Shell, Anglo-Persian Oil Company, Essi, Exxon; Standard Oil, Texaco e Gulf Oil.
Essas empresas dominaram o mercado de petróleo mundial, até a década de 1960.
De lá para cá, os Estados Nacionais assumiram o controle das suas reservas e a exploração dessa riqueza natural.
Hoje as estatais são 19, entre as 25 maiores empresas de petróleo e gás natural, controlando 90% das reservas e 75% das produções mundiais.
Neste contexto, há mais de 15 anos, o Brasil passou a ser considerado autossuficiente em petróleo.
Ao invés de refinar internamente, os governos optaram por exportar o “petróleo bruto”.
Alegou-se atraso tecnológico para refinar o óleo cru nacional, quando a solução teria sido modernizar as nossas refinarias.
Tal fato gerou desequilíbrio de preços, pela dependência dos combustíveis importados.
O que exportamos para refino fora do país retorna em importação de óleo refinado, com pagamento em “dólar”, totalizando cerca de 500 mil barris de derivados por dia, a maior parte produzida nos Estados Unidos.
Em 2021 o país exportou 1,2 milhão barris por dia, o maior exportador de petróleo da América Latina.
Porém, importamos 30% dos derivados consumidos.
Aí está o “nó górdio” da alta dos preços dos combustíveis no Brasil.
Há alternativas e o nosso povo jamais aceitará máxima semelhante àquela dos atenienses, ao invadirem a ilha de Melos: “os fortes poderão fazer o que queiram, porque os fracos sofrerão o que precisar”.
Defender a Petrobras, com gestão moderna, não é esquerda, nem direta.
Apenas, exigência do interesse nacional.
Portanto, privatizá-la não é a solução.