Postado às 07h38 | 16 Jul 2023
Ney Lopes
Infelizmente, desde mais de duas décadas que representei o RN no Congresso Nacional, percebi que as Comissões Parlamentares de Inquérito instaladas transformam-se em palanques eleitorais.
No atual momento político, além de palanque, elas são instrumentos de vingança política e notório constrangimento, até para testemunhas.
É um fato que corrói os alicerces democráticos.
Usa-se a investigação parlamentar para destruir o adversário e não apurar a verdade.
Veja-se, por exemplo, a CPMI que investiga os atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
Na última quarta, quando o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, foi acusado ter cometido o crime de "calar a verdade como testemunha", ao ficar em silêncio durante toda a oitiva.
O tenente-coronel Mauro Cid estava protegido por “habeas corpus” do STF, que lhe dava "o direito de não ser obrigado a produzir prova contra si", podendo manter-se em silêncio e não ser obrigado a responder perguntas que pudessem incriminá-lo”.
Mesmo assim, a CPMI ameaçou-o, afirmando que ele não poderia ficar calado em todas as perguntas.
Verdadeiro abuso de poder.
Nesse caso, a CPMI desconhece um direito constitucionalmente protegido do acusado de ficar em silencio
Na tradição constitucional brasileira, a CPMI foi criada para apurar “fato” determinado.
Não precisa ser jurista para interpretar, que “fato determinado é aquele que existiu ou existe, com características próprias, no tempo e no espaço.
O fato determinado não pode ser uma hipótese, que “poderia ter acontecido”, mas não aconteceu.
Não se nega a gravidade dos acontecimentos de 8 de janeiro, o que não justifica o uso do arbítrio com o objetivo claro de incriminar pessoas.
Há exemplos de atos de violência no passado, em Brasília, nos quais os culpados foram reprimidos, mas sem as conotações atuais de “caça às bruxas”.
Em junho de 2013, grupos romperam o cordão de isolamento da Polícia Militar e ocuparam a marquise do Congresso Nacional.
Em maio de 2017 todos os prédios da Esplanada dos Ministérios foram evacuados após grupos colocarem fogo, quebrarem vidros, picharem e invadirem as sedes de alguns ministérios, colocarem fogo e depredarem pelo menos sete ministérios
Em 18 de abril de 2017, um grupo de cerca de 3 mil manifestantes contrários à reforma da Previdência também invadiu a Câmara de Deputados e quebraram parte dos vidros da portaria principal.
Um dos maiores atos de vandalismo contra o Congresso foi de responsabilidade MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Os envolvidos viraram um carro contra a portaria de vidro do Congresso.
Eles atiraram paus, pedras e cones de sinalização. Romperam o cerco e entraram na Câmara. Foram depredadas luminárias, computadores, portas de vidro e algumas peças de arte em exposição. Cerca de 1.200 manifestantes tomaram todos os andares do prédio.
Em todas essas situações, a ação policial cingiu-se a apuração de crimes de danos ao patrimônio público.
Não houve, como em 8 de janeiro, o enquadramento “coletivo” dos manifestantes, sem distinguir o grau de culpa, por crimes de atos terroristas, inclusive preparatórios, associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Cabe observar que não há figura típica criminal para a “tentativa” dos crimes citados.
No máximo, o que teria acontecido seria uma tentativa, pois o governo recém empossado não sofreu nenhum risco de ser destituído. Logo inexiste crime. As investigações deveriam girar em torno de danos ao patrimônio público, o que foi notório.
Como visto, os excessos impõem que se forme no país uma frente em defesa das liberdades públicas, o que não significará proteção a impunidade.
A cidadania precisa ser protegida, em qualquer circunstância.