Postado às 05h53 | 02 Mai 2023
Ney Lopes
O primeiro de maio foi emblemático na França.
O país mostrou a sua vocação de rebeldia, com protestos generalizados contra aprovação da idade de 64 anos para aposentadoria.
A lei vai entrar em vigor no primeiro dia de setembro, estabelecendo que a idade mínima subirá três meses por ano, chegando a 64 anos em 2030.
Tudo se agravou pelo fato do presidente francês ter promulgado essa nova lei da previdência, sem consultar o parlamento, recorrendo ao artigo 49 da Constituição francesa, que permite aprovar leis em tais condições.
Desde meados de janeiro, que os trabalhadores franceses se manifestam, num total de mais de uma dezena de ações e de greves, contra o aumento da idade da reforma.
Em Paris, ontem, 1, manifestantes radicais incendiaram um prédio e lançaram projéteis contra a polícia, atingindo ainda janelas de empresas, como bancos e imobiliárias.
Na Place de la Republique, onde a marcha de 1.º de maio começou na capital francesa, um enorme colete com o slogan "Macron renuncie" foi fixado na estátua gigante, que simboliza a república francesa
Segundo os sindicatos, juntaram-se mais de dois milhões de pessoas.
Foi a primeira vez, desde 2009, que os oito principais sindicatos franceses se uniram para convocar protestos no primeiro de maio.
Na verdade, o protesto na França não é apenas o aumento da idade mínima para 64 anos.
Ocorreram mudanças duras, como o corte na pensão por morte e na aposentadoria por invalidez, a criação de uma idade mínima na aposentadoria especial e a regra de transição "curta" para quem estava próximo de se aposentar quando a reforma entrou em vigor.
Análises acadêmicas chamam atenção para a reforma motivar agravamento do estado da economia francesa, pois retirará mais dinheiro de circulação e com isso deprimirá ainda mais a demanda agregada.
Demanda agregada é a procura pelo total de bens e serviços da economia, que serão adquiridos pela população.
Pobres e remediados não entesouram, consomem.
Os recursos supostamente “poupados” serão retirados dos que mais necessitam e serão esterilizados no sistema financeiro.
Por outro lado, o governo argumenta, que o objetivo seria “salvar” o sistema de pensão por repartição.
Segundo as previsões do governo, dentro de alguns anos faltariam 12 bilhões de euros por ano para equilibrar os fundos de pensão.
Mas é difícil que os trabalhadores compreendam esse argumento, quando ocorrem reduções das contribuições sociais e dos impostos pagos pelas grandes empresas, como os seus lucros e dividendos distribuídos aos acionistas, em níveis sem precedentes
Diante desse impasse, cabe recordar um fato histórico incontestável: a França tem forte capacidade de barrar as reformas legislativas a partir das ruas, onde foi forjada a sua própria ideia de democracia.
A previsão é que politicamente não será fácil o futuro do país.
O governo aprovou a reforma, mas paga alto custo político e a insatisfação de 2/3 dos cidadãos.
Macron levou um “cartão vermelho”, cujas consequências são imprevisíveis.