Postado às 06h31 | 28 Jun 2021
Ney Lopes
Merece veemente repulsa a intenção do presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, em se desfazer da obra do famoso folclorista conterrâneo Luis da Câmara Cascudo “Dicionário do Folclore Brasileiro”, publicado em 1954, já com doze edições, em vários idiomas.
O dirigente da instituição inclui o estudo de Cascudo entre cinco mil livros, considerados alheios a “temática negra”, com conteúdos relacionados a “sexualização de crianças”, “manuais de greve”, “bizarrias”, “pornografia e erotismo” e defensores da ideologia comunista.
Além de absurdo, verdadeiro atentado à liberdade de expressão.
O Brasil já foi governado por várias tendências ideológicas e nunca se “questionou” a ideologia de livros, que integram o acervo da Fundação Palmares.
Incluir o trabalho de Cascudo nessa exclusão demonstra que sua obra nunca foi lida.
Ele sempre se colocou como anticomunista ferrenho.
E mesmo se fosse comunista, jamais se justificaria a destruição, nem da coletânea folclórica de Cascudo, nem de ouitros autores.
O artigo 220 da Constituição federal garante que não sofrerão qualquer restrição, a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a. informação, sob qualquer forma, processo ou veículo,
No caso específico de Cascudo, os seus estudos retratam a realidade social, política e econômica, sem nenhuma conotação marxista, como induziu o celerado presidente Fundação Palmares, Sérgio Camargo.
Aliás, esse Camargo é conhecido por adotar posições, que relativizam a escravidão no Brasil, tendo já afirmado que não existe “racismo real” e que o Dia da Consciência Negra “precisa ser abolido”, entre outras declarações ofensivas e de ataque a lideranças e personalidades na luta antirracista.
A Associação Juízes para a Democracia (AJD) ajuizou ação popular para impugnar a destruição de parte do acervo histórico de livros da Fundação.
Em nota, a AJD afirma que a atitude é um ataque à liberdade de expressão.
“O Relatório Público da seleção do Acervo da Fundação, recentemente divulgado, deixou clara a intenção de dilapidar o patrimônio histórico e cultural, com uma a seleção de livros, conduzida por critérios subjetivos, em operação de censura e ofensa aos princípios constitucionais da liberdade de expressão e da livre circulação de ideias”.
A Fundação Palmares é vinculada ao Ministério da Cidadania, o que torna absolutamente necessário um posicionamento do governo federal, não apenas em relação as obras de Cascudo, mas toda a produção cultural censurada, de forma arbitrária e inconcebível numa democracia.
A Constituição tem seção especial que regula a cultura nacional.
O artigo 215 define que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Além disso, protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
O nosso Estado Democrático de Direito tem o dever de assegurar a diversidade cultural.
Nesse sentido, impõe-se a proteção da cultura, que é um valor intrínseco a cada pessoa e grupo social.
A dimensão cultural da dignidade humana considera as particularidades culturais de cada um, levando em consideração o momento histórico e respeitando os aspectos individuais que os diferenciam uns dos outros.
Diante do anunciado risco de atentado, originário da decisão da Fundação Palmares, a cultura nacional clama o direito de sobreviver.
E o RN pede respeito à consagrada obra de Luís da Câmara Cascudo, seu filho Ilustre.