Postado às 06h36 | 18 Jun 2023
Ney Lopes
O fato político polarizador da opinião pública é o julgamento, na próxima quinta-feira, que pode determinar a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O TSE irá analisar ação movida pelo PDT sobre questionamentos ao processo eleitoral de 2022, sem apresentar provas, em virtude de uma reunião com embaixadores realizada em julho de 2022 no Palácio do Planalto.
Neste artigo, não há defesa ou condenação do ex-presidente Bolsonaro, mas apenas a adequação das expressões usadas na reunião com os embaixadores, ao que dispõem a lei eleitoral e a lei de inelegibilidades vigentes.
A última legislação citada, o relator, à época, na Câmara dos Deputados, foi o autor do texto.
A Corte eleitoral terá como referência o relatório do corregedor-geral da Justiça Eleitoral, o ministro Benedito Gonçalves.
O Ministério Público Eleitoral (MPE) já se manifestou a favor do pedido.
Tanto no relatório, quanto no parecer, não há prova documental apensada, mas sim indícios de abuso de poder político nos ataques desferidos pelo ex-chefe do Executivo às urnas eletrônicas, durante a reunião.
A matéria é controversa e conduz a interpretações diversas.
Inexiste nos autos prova material definitiva da prática de crime eleitoral, que possa justificar a inelegibilidade automática.
Qualquer que seja a decisão, conforme já mencionado, se baseará em “indícios” de abuso de poder político no processo eleitoral.
O eixo da acusação é a exposição verbal do ex-presidente com opiniões e críticas políticas pessoais, arguindo inclusive presumidas suspeitas sobre as urnas eletrônicas.
Embora esses fossem temas não aconselháveis de serem tratados com embaixadores, torna-se difícil caracterizar juridicamente, neste caso específico, a propaganda eleitoral negativa e antecipada.
A propaganda punível pela lei exigiria a comprovação, de que o discurso presidencial teve por objetivo angariar votos, prejudicar eventuais pré-candidatos concorrentes ou tentado influir, de qualquer forma, na escolha dos cidadãos.
Afinal, os embaixadores não são eleitores no Brasil.
Os crimes contra as instituições democráticas, de responsabilidade e eleitoral e ato de improbidade administrativa têm tipificações próprias.
Consistem num modelo, que além da conduta ilícita, envolvem o resultado (alteração concreta produzida através do ato praticado.), o nexo causal (conduta do agente gerando uma consequência e o resultado final do ilícito) e a tipicidade.(adequação do ato praticado a punição prevista em lei).
A jurisprudência impõe que tais crimes caracterizem “o dolo específico, entendido como a vontade livre e consciente de utilizar a falsidade, seja material ou ideológica, com o fim de causar repercussão relevante no processo eleitoral”
Sem um destes elementos, não há fato típico e, portanto, inexiste crime.
Na reunião do Palácio do Planalto, segundo consta, não havia presença de representantes de partidos e a justiça eleitoral foi convidada a comparecer.
Tal fato traz ao debate, a questão da incompetência da justiça eleitoral para o exame da matéria, negada pelo TSE.
Foi apensado aos autos, rascunho de uma presumida intervenção do presidente para anular o resultado da eleição.
O documento tem características de ser apócrifo e não teria sido submetido a perícia para comprovar a sua autenticidade.
O Direito Eleitoral é um ramo do Direito Público que tem como objeto de estudo os institutos, as normas e os procedimentos que regulam o exercício do direito ao sufrágio com a finalidade de concretizar a soberania popular, dar validade à ocupação de cargos políticos.
Qualquer infração eleitoral subentende obrigatoriamente resultados concretos, em prejuízo do exercício ao direito do sufrágio.
Para aplicar sanções não cabem apenas indícios ou presunções, mas prova objetiva.
As causas motivadoras da inelegibilidade estão elencadas no art. 1º da Lei Complementar nº 64/90, alterada pelas Leis Complementares nº 81/94 e nº 135/10,
Data vênia, nenhuma dessas causas aplica-se ao caso presente, igualmente por faltar comprovação em provas materiais.
A inelegibilidade tem por finalidade apurar e punir os ilícitos eleitorais (não penais), visando proteger a legitimidade e a normalidade das eleições, de modo a mantê-las revestidas de lisura.
Portanto, não haveria espaço para meras “suposições”, ou “indícios”, que justifiquem a inelegibilidade.
Pode até ser aplicada outra sanção, que não seja a inelegibilidade.
Veja-se, por exemplo, o caso do ex-presidente Trump, que não se fala em inelegibilidade.
E são mais de 30 acusações, todas elas no âmbito da justiça comum, sem a imputação de crime eleitoral.
Aliás, nos Estados Unidos, após a revogação parcial do “Enforcement act de 1870”, que regulamentava a 14ª emenda, a figura da inelegibilidade praticamente não existe.
A justiça americana apura os ilícitos e aplica outras penas.
Agora, no caso do ex-presidente Bolsonaro, é aguardar o pronunciamento do Excelso Tribunal Superior Eleitoral, que merece todo o respeito.
Victor Hugo tinha razão, ao dizer, que “a primeira igualdade é a justiça”.