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ONU indica que epidemia empurrará meio bilhão de volta para pobreza

Postado às 06h27 | 01 Mai 2020

A pandemia de coronavírus deve acabar com quase metade dos empregos da África Subsaariana, que enfrentará sua primeira recessão em 25 anos. O sul da Ásia terá seu pior desempenho econômico em 40 anos. Se alguns impactos ainda são desconhecidos, outros já estão sendo calculados. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que até o fim do ano, 8% da população mundial – ou meio bilhão de pessoas – podem ser empurrados de volta à pobreza.

Como milhares de mulheres, Shahida Khatun abandonou a escola para trabalhar em fábricas de roupas de Bangladesh. 

Aos 12 anos, ela fazia longos turnos e ficava com os dedos doloridos de tanto costurar calças e camisas para lojas dos EUA e da Europa. Os US$ 30 (R$ 163)que ganhava por mês garantiam que, pela primeira vez, sua família fizesse refeições regulares e pudesse comprar frango e leite.

Uma década depois, Khatun tinha triplicado seu salário, ganhando o suficiente para mandar dinheiro para sua aldeia e proporcionar a seu filho de 17 meses uma vida melhor. Mas, quando ela e seu marido foram demitidos, em março, quando Bangladesh entrou em quarentena, Khatun caiu de volta na vida que esperava ter deixado para trás.

O tormento da fome voltou e ela está se endividando com uma mercearia local só por dar à família uma escassa refeição de pão e purê de batatas por dia. “A fábrica de roupas nos ajudou a sair da pobreza. Mas o coronavírus me empurrou de volta”, disse Khatun, de 22 anos.

Os ganhos que o mundo estava obtendo no combate à pobreza – principalmente porque mulheres como Khatun estavam entrando no mercado de trabalho – agora estão em risco. Segundo o Banco Mundial, pela primeira vez desde 1998, as taxas globais de pobreza aumentarão. Todos sofrerão, mas os países mais pobres serão os mais atingidos. 

O risco maior é para os que trabalham no setor informal, que emprega 2 bilhões de pessoas que não têm acesso a benefícios ou assistência médica. Em Bangladesh, 1 milhão de trabalhadores como Khatun – 7% da força de trabalho – perderam o emprego em razão da quarentena. 

As ondas de choque financeiro podem persistir mesmo depois de o vírus desaparecer, alertam especialistas. Países como Bangladesh, que gastaram muito em programas para melhorar a educação e a saúde, podem ficar sem dinheiro para financiá-los. “Histórias de mulheres tirando suas famílias da pobreza serão destruídas com facilidade”, disse Abhijit Banerjee, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). “Muitos grupos que subiram a escada agora vão descer.”

Os riscos são uma advertência sobre a desigualdade global e sobre o que ainda precisa ser feito. Em 1990, 36% da população mundial – 1,9 bilhão de pessoas – viviam com menos de US$ 1,90 (R$ 10,20) por dia. Em 2016, esse número havia caído para 734 milhões de pessoas – 10% da população mundial.

Ameaça de retrocesso

Um dos maiores avanços ocorreu na Índia, onde 210 milhões de pessoas foram retiradas da pobreza entre 2006 e 2016, segundo a ONU. Desde 2000, Bangladesh tirou da miséria 33 milhões de pessoas – 10% da população – com programas que proporcionaram educação a meninas, aumentaram a expectativa de vida e melhoraram a alfabetização. 

Os surtos de fome, que até então devastavam o sul da Ásia, agora são extremamente raros e a população está menos suscetível a doenças e à desnutrição. A preocupação de especialistas é que esse progresso seja revertido e o financiamento de programas de combate à pobreza seja cortado, pois os governos terão de lidar com taxas de crescimento estagnadas ou contrações econômicas.

Na Índia, milhões de trabalhadores migrantes ficaram desempregados e sem teto após o governo anunciar a quarentena. Em partes da África, milhões podem passar fome depois de perder o emprego e ficar sem ajuda humanitária. No México e nas Filipinas, as remessas de dinheiro, das quais muitas famílias dependiam, simplesmente acabaram porque não há mais emprego nos países mais ricos. 

“A tragédia é cíclica”, disse Natalia Linos, diretora do Centro François-Xavier Bagnoud de Saúde e Direitos Humanos, da Universidade Harvard. “A pobreza causa doenças, e a doença é uma das grandes causadoras dos choques que empurram as famílias para a pobreza.”

 

Khatun teme que sua família seja despejada do quarto de três metros quadrados que ela aluga, com banheiro e cozinha compartilhados com vizinhos. Se isso acontecer, ela terá de voltar para aldeia que deixou ainda criança. “Meu único sonho era garantir uma educação para meu filho”, disse Khatun. “Mas esse sonho agora desaparecerá.” / NYT

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