Postado às 10h00 | 14 Jun 2021
João Paulo Jales dos Santos. Graduado em Ciências Sociais pela UERN.
Passados 7 meses da eleição americana, que coroou a vitória de Joe Biden, aplicando a mais um republicano, desde George H. W. Bush, a não renovação da estadia na Casa Branca, o êxito democrata evidencia que a recuperação eleitoral entre os brancos, que correspondem acerca de 70% do eleitorado, foi decisiva para interromper o ciclo de poder trumpista. O GOP (republicanos) ainda tenta lidar com o legado incandescente do conservadorismo populista levado à cabo por Trump, o não-impeachment do ex-presidente traz mais dores de cabeça para a legenda do que para os dems (democratas).
A velha guarda republicana, formada por conservadores forjados no pragmatismo da formalidade político-partidária, ainda tem dificuldades de conviver com a convulsão conspiratória trumpista.
Trump serviu ao bel-prazer republicano implementando, de sobremodo, no judiciário, a estratégia de guerra política que desde os anos 70 serve de orientação para a agremiação, mas alijou, no campo político, alguns nomes de brio do establishment. Hoje, uma sólida maioria da base republicana, é mais leal a Trump do que aos princípios do GOP.
Se cogita que o ex-presidente tem ambição de montar sua própria organização, uma possibilidade bastante remota, vide que a legislação americana é refratária a criação de uma terceira força partidária, e é mais fácil para os atores trumpistas refestelarem-se numa estrutura partidária estabelecida do que criar uma organicidade partidária, que traria altos custos organizacionais.
De certo, Trump ainda será uma figura com relevância na vida política, mas a extensão de seu poderio eleitoral será medida nos próximos anos. O trumpismo trouxe à arena da velha democracia americana a figura do líder carismático, que tem como objetivo ensejar uma profunda transformação populista, no entanto, a estrutura política pensada por nomes como Thomas Jefferson, George Washington e Benjamin Franklin é impermeável a bruscas mudanças institucionais.
Democratas recuperam impulso entre os brancos
Por mais que a cada eleição o eleitorado americano fique mais diverso, os brancos continuam a desempenhar papel fundamental na balança do poder.
Se em 2016, Hillary Clinton teve dificuldades com esse segmento, em 2020, Biden recuperou o fôlego e voltou a patamares eleitorais que Obama teve com essa faixa.
Biden melhorou, de sobremodo, o desempenho azul entre brancos com diploma superior, e teve uma pequena, mas crucial reabilitação entre brancos sem diploma, é tanto que restaurou a outrora ‘parede azul’ do meio-oeste, recuperando Wisconsin, Michigan e Pensilvânia.
O democrata teve um desempenho inferior ao que teve Hillary entre os não-brancos, principalmente os latinos.
Tal deficiência com esse grupo pôde ser sentida já nas primárias do partido, quando Bernie Sanders teve uma vitória avassaladora no caucus de Nevada.
Os dems tiveram um termômetro parecido com o que Hillary teve em 2016, quando nas primárias teve dificuldades entre homens brancos da classe trabalhadora.
Como os latinos não possuem, em termos eleitorais, o mesmo peso que tem na demografia populacional, Biden não sentiu o impacto de perder terreno entre esse grupo.
Teve uma derrota na Flórida, onde se tivesse tido o mesmo desempenho que Clinton exibiu há 4 anos entre os hispânicos, teria vencido o estado, mas como os 29 votos eleitorais da Flórida não comprometeram a vitória, o susto por lá entra como um caso pontual de recuperação na estratégia política democrata.
A derrota no ‘sunshine state’ tem um peso para os dems, que precisam revigorar-se politicamente num estado com população suburbana e diversa, mas que pende para o lado vermelho da balança do poder americano.
Um realinhamento nas coalizões do Colégio Eleitoral
Os chamados estados do ‘cinturão do sol’, Arizona, Texas, Flórida, Geórgia e Carolina do Norte, foram dores de cabeça para os dems nos últimos anos. Étnico-racialmente diversos, mas com brancos polarizados, o que facilita a vida dos republicanos, as profundas mudanças demográficas que os 5 estados vêm passando nas últimas 2 décadas tiveram impacto na presidencial de 2020.
Se perdeu na Flórida, que em 2008 e 2012 deu vitória a Obama, Biden tirou a era de poder que os republicanos exerciam a mais de 20 anos no Arizona e na Geórgia, além de ver uma emergência azul no Texas, tornando o estado da ‘estrela solitária’ um campo de batalha para as próximas eleições.
Assustados com o ímpeto democrata, republicanos vão aprovando em legislativos estaduais que têm controle, principalmente em estados sulistas e do meio-oeste, leis que tornam mais rígidas as regras de votação, visando inibir o crescente voto das minorias étnicas, solidamente pró-democratas.
Tanto no Arizona quanto na Geórgia a melhora nos índices eleitorais com os brancos foi imprescindível para tirar os estados da coluna vermelha.
Como os dems já tinham seus grupos cativos, latinos, no Arizona, e negros, na Geórgia, bastava a atração de brancos para elevar a posição do partido.
Se na Carolina do Norte, o reestabelecimento democrata passa por ultrapassar seu teto de um terço de votação entre os brancos, na Flórida e no Texas a tarefa é mais complexa, envolvendo restaurar terreno tanto entre latinos, que são mais conservadores nestes estados do que na média do país, como brancos. A saída é conquistar terreno entre os eleitores brancos nos grandes centros urbanos e seus arredores, que transitam do centro para a esquerda do espectro político-ideológico.
Se no ‘cinturão do sol’ a dor de cabeça vai ficando para os republicanos, no denominado ‘cinturão da ferrugem’, que engloba Minnesota, Iowa, Wisconsin, Ohio, Michigan e Pensilvânia, formados por um eleitorado majoritariamente branco e com enorme contingente de brancos da outrora classe trabalhadora industrial sindicalizada, a preocupação vai ficando com os dems, que mesmo tendo reestabelecido sua coalização em Wisconsin, Michigan e Pensilvânia, veem os homens brancos sem diploma universitário se tornarem mais conservadores, fazendo com que Iowa, um estado rural com histórico progressivo, e Ohio, decisivo estado-pêndulo, há 2 eleições consecutivas deem fáceis vitórias para o GOP.
Até 2012, a garantia de êxito democrata vinha dos votos do Colégio Eleitoral do meio-oeste, em 2016, ao perder Wisconsin, Michigan e Pensilvânia, Hillary perdeu à presidência.
O desafio democrata é voltar a ter a confiança dos homens brancos sem nível superior, que nos últimos anos se tornaram mais polarizados, tendendo para o lado vermelho do tabuleiro político.
Desde os anos 1960, a predileção para saber quem ganharia à presidência seria olhar para Ohio, quem vencia no estado chegava a Casa Branca, mas em 2020, Biden quebrou a tradição.
No jogo para ganhar os votos dos estados que decidem a eleição, os Estados Unidos tem uma linha divisória de 6 estados campo de batalha ao sul, Nevada, Arizona, Texas, Flórida, Geórgia e Carolina do Norte; e 8 estados ao norte, Minnesota, Iowa, Wisconsin, Michigan, Pensilvânia, Ohio, Nova Hampshire e Maine.
É a primeira vez em décadas que republicanos e democratas disputam em pé de igualdade a confiança dos eleitores dessas regiões, reconfigurando a caça aos votos do Colégio Eleitoral.
Republicanos mostram vigor em 2020 e chegam fortes para o legislativo federal em 2022
Surpreendeu a exibição do GOP na eleição para a Câmara dos deputados, as estimativas eram para um ganho democrata, aumentando a maioria do partido na casa legislativa, no entanto, os republicanos recuperaram as cadeiras que perderam na eleição de meio de mandato em 2018 e encurtam a maioria democrata em apenas 9 assentos.
No Senado, onde um punhado de estados conservadores pareciam assistir uma insurgência azul, os eleitores conservadores com temor de uma franca maioria democrata preferiram renovar sua fidelidade conservadora.
Os demais recuperaram a maioria senatorial que perderam na eleição de meio de mandato de Obama em 2014, porém, com uma maioria que necessita do voto de minerva da vice-presidente Kamala Harris, que acumula os postos de vice-presidente e presidente do Senado.
Democratas e republicanos tem 50 senadores cada, sendo que para chegar a maioria na casa, os dems contam com 2 independentes, os senadores Bernie Sanders e Angus King, que são convencionados as fileiras da legenda.
Historicamente, a primeira eleição de meio de mandato costuma entregar ao partido da oposição a maioria em alguma das casas legislativas, com estreitas maiorias na Câmara e no Senado, a tendência é que os democratas tenham que assistir os republicanos comandarem o legislativo federal.
No entanto, se na Câmara o indicativo pró-GOP tem alta probabilidade, no Senado, a probabilidade de Biden manter sua maioria não é desprezível. 5 senadores republicanos já anunciaram aposentadoria, podendo um sexto não concorrer à reeleição. Em 3 destes estados a disputa que se desenha é de jogo equilibrado, e caso Chuck Grassley confirme seu anúncio pendente de aposentadoria, coloca Iowa no radar democrata.
Até aqui, Biden mantém uma estável e animadora aprovação líquida de 12%, experiente político, sabe que tem que se equilibrar no jogo de interesses que envolvem as 2 maiores divisões de seu partido, moderados e progressistas.
No lado republicano, depois de terem que assistir uma invasão de golpistas incitadas por Trump no início do ano, depois de tanto acusarem os democratas de quererem implementar o socialismo soviético no país, o partido vai tentando lidar com o legado populista trumpista, os adeptos do ex-presidente são maioria e tentarão nos próximos anos continuar impondo a agenda pregada por Trump.
Agenda esta que tem um alto custo para a legenda, já que coloca em choque de colisão figuras proeminentes da ala moderada contra políticos beligerantes alinhados aos interesses do trumpismo.
Se o GOP obtiver maioria na eleição vindoura, estando liderados pelo trumpismo, o que é mais provável, a legenda chegará em 2024 com a agenda de Trump posta à mesa para conquistar à Casa Branca.