Postado às 17h19 | 14 Jul 2020
Quando o ministro Gilmar Mendes alerta os generais de sua participação no que ele caracteriza como genocídio, é preciso lembrar de dois pontos simultaneamente. O primeiro é que genocídio é um crime tipificado e Gilmar é membro de uma corte constitucional. Ele não está sendo hiperbólico, está indicando a possibilidade de haver crime. O segundo ponto é igualmente relevante: nenhum membro do Supremo é tão político quanto ele.
Quem não estava distraído nas últimas duas décadas acompanhou o constante entrar e sair de Gilmar — do Planalto e do Alvorada para o Jaburu, de lá para as residências dos presidentes de Câmara e Senado, num diálogo contínuo com políticos de toda sorte. Gilmar conversa, costura, negocia, dialoga. Talvez não seja desejável que um ministro de corte superior seja político. Mas esse é outro debate. Gilmar Mendes é político.
Os que interpretam a fala do ministro numa live sábado como a criação artificial de uma crise desnecessária esquecem de ambos os pontos. Não era uma hipérbole, era política. Quem observa a reação dos militares apenas pelas notas oficiais pode ter reiterada sua impressão de que era apenas um ataque. Quem vê suas ações percebe que, além de ataque, havia também informação e alerta que foram compreendidos.
Os generais perceberam que o argumento de que há um genocídio em curso pode ganhar força, investigações podem surgir e, mesmo que não dê em condenação, já são suficientes para um estrago grande na imagem de qualquer instituição. A pressão para que o ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, ou deixe o cargo ou passe à reserva aumentou.
Ao fim, Gilmar jogou xadrez e pôs o Exército na defensiva. O apoio tácito ao governo Jair Bolsonaro ficou mais caro para os militares. E é neste aumento de custo, nesta série de vários desgastes sequenciais, que rompimentos ocorrem. (Globo)