Postado às 07h49 | 12 Jul 2020
Sonia Racy
A força dos novos protestos contra o racismo e os gritos de “Black Lives Matter”, que se espalharam pelo mundo após a morte do americano George Floyd, pegaram fundo na memória de Alex Ferrer. Em especial, na sua infância em Taguatinga, perto de Brasília, nos preconceitos à sua volta: Alex é branco e foi adotado por uma família de negros (ver fotos na página). “As lembranças são antigas mas tem tudo a ver com o momento atual”, diz o hoje empresário de eventos em Camboriú. De menino, para dar só um exemplo, a professora o maltratava na escola. “Falava mal de minha mãe, dizia que eu era filho de macaco…”.
Hoje, com 43 anos, atesta ter atravessado um imenso mar de preconceitos para não ‘morrer’ na famosa praia de Santa Catarina. Em conversa com a coluna, conta que foi abandonado com três dias de vida, adotado e criado por uma família pobre, moradora de Taguatinga. “Meus pais e irmãos pagaram um preço alto por isso”, recorda. “Na rua, incontáveis vezes, minha mãe era vista como minha babá ou empregada. No ônibus, as pessoas estranhavam. Ela chegou a ser abordada por policiais que não entendiam uma negra levando uma criança branca.”
Conhecer aos poucos sua própria história foi, para o menino Alex, quase uma novela. “Eu tinha cinco irmãos, minha mãe era bem negra e meu pai, moreno claro.” Quando lhe contaram que era adotado? “Não me contaram, fiquei sabendo por uma vizinha, aos 5 ou 6 anos”. Ele ouviu dizer também, nessas conversas, que “fazia mal à família”, por ser diferente.
O pai adotivo era carioca, PM no Rio. Morava no morro, sentiu a insegurança e decidiu ir viver em Brasília. Em Taguatinga, um dos primeiros choques de Alex foi na escola, onde chegou aos quatro anos. A professora “fazia bullying o tempo todo usando a cor da minha família”. Por outro lado, havia boas coisas. “Eu amava e amo minha família. Boa parte da minha personalidade veio da minha mãe, uma mulher culta, clean, teve pouco estudo mas adorava escrever poesia”.
Entretanto, olhando para aqueles tempos, o empresário faz um mea-culpa. “A certa altura me cansei daquilo tudo, passei pro outro lado. Resolvi ser opressor também”. Conta que maltratava negros, brigou muito com uma das irmãs, sempre empenhado em ser aceito pela “sua turma” de brancos.
Não demorou muito para Alex perceber que havia algo mais a descobrir na sua história. Deu-se conta de que era gay. “E ser gay nos anos 80 era complicado”, resume. Misturava-se a outros desafios da vida real que só faziam crescer. O pai morreu de AVC quando ele tinha seis anos. A mãe, de infarto, quando ele tinha 10. A irmã mais velha assumiu, aos 24 anos, a tarefa de cuidar dos irmãos. O adolescente branco também foi trabalhar.
Entregava panfleto em porta de supermercado, tosava cachorros. Depois, quando foi morar em Santa Catarina, deu-se conta do racismo de outra maneira. “Ali vive, na proporção, a maior população branca do País e o racismo nem é assunto na vida deles”. Já foi convidado para entrar na política, mas diz que não quer “explorar” sua condição. “O que eu gosto, e nisso quero ajudar, é de contar a minha história. Já me veio a ideia de adotar uma criança, para retribuir o que a vida me deu”.
De todos os preconceitos que enfrentou, qual lhe parece o pior? Ser negro, gay ou pobre? “Com certeza, o pior é ser pobre. O negro, se for rico, é aceito, chamam também de doutor”. E o que mais espera é que sua história consiga mudar as pessoas. A mensagem é do tipo “Você luta e consegue chegar lá”. Mesmo quando não consegue, “pelo menos incentiva e abre caminhos”.