Postado às 04h59 | 13 Jun 2020
Estado
O governo voltou a ser derrotado na segunda tentativa de restringir, por meio de uma medida provisória (MP), a autonomia das universidades federais em matéria de consulta à comunidade acadêmica para a elaboração de listas tríplices para reitor. A primeira tentativa ocorreu no final de 2019, quando Bolsonaro baixou uma MP com esse objetivo. Mas, como não foi votada pelo Congresso em tempo hábil, ela caducou há alguns dias. A segunda tentativa se deu nessa quarta-feira, quando o presidente baixou uma nova MP com o mesmo objetivo. Mas, por não atender aos requisitos constitucionais da urgência e relevância, ela foi devolvida pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ao Executivo. De 1988 até agora, essa é a quarta MP devolvida.
Quando baixou as duas MPs, a que caducou e a que foi devolvida, o governo justificou a iniciativa - que na prática lhe dava a prerrogativa de escolher os novos reitores sem qualquer consulta - em nome do combate à crise de saúde pública. A alegação é que a pandemia de covid-19 impediria a presença física de professores, estudantes e funcionários nas votações. A justificativa não procede, pois as universidades federais há anos já realizam reuniões virtuais, para agilizar o processo decisório.
Na realidade, a MP que acaba de ser devolvida é mais um capítulo da guerra declarada pelo governo Bolsonaro contra o ensino superior público. Ela começou no ano passado quando, em audiência na Câmara, Weintraub acusou as universidades federais de serem “centros de drogas e balbúrdia”. Prosseguiu com o congelamento das verbas orçamentárias e tentativas de alterar o peso dos professores, alunos e funcionários na eleição das listas tríplices para reitor. Avançou quando o Ministério da Educação deixou claro que não escolheria os candidatos mais votados, caso não fossem “alinhados ao pensamento de Bolsonaro”. E culminou neste ano quando, em nome de um combate ao que as autoridades educacionais chamam de “doutrinação ideológica”, os Ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações restringiram a concessão de bolsas para a área de humanidades.
Em resposta, os reitores das universidades federais criaram um movimento de resistência. Primeiro, divulgaram as principais pesquisas científicas em andamento e sua importância para o bem-estar da sociedade. Depois, acusaram o governo de obscurantista e chamaram Weintraub de incompetente. E, em maio, promoveram uma “marcha da ciência” realizada por meios virtuais, que foi apoiada pela comunidade acadêmica nacional e internacional. São justamente alguns desses reitores que o governo quer impedir que se reelejam ou interfiram na escolha de seus sucessores, para tentar controlar ideologicamente as 69 universidades mantidas pela União.
Do ponto de vista funcional, se a nova MP não tivesse sido devolvida ao Executivo, ela teria acarretado efeitos desastrosos para o cotidiano das universidades federais enquanto não fosse votada pelo Congresso. Isso porque ela era uma aberração jurídica, seja porque colidia frontalmente com o princípio constitucional da autonomia universitária, seja porque violava os limites do processo legislativo estabelecido pela Constituição.
Já do ponto de vista político, a MP devolvida três dias depois de ter sido baixada pode aumentar as tensões institucionais. Assim que a MP foi baixada, oito partidos impetraram ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para derrubá-la. E, como ela era flagrantemente inconstitucional, dificilmente a Corte deixaria de conceder liminar, suspendendo os efeitos da MP. Isso só não ocorreu porque Alcolumbre fez o que lhe cabia, de acordo com a Constituição.
Com a devolução da MP, Bolsonaro provavelmente voltará a afirmar que o Legislativo e o Judiciário não o deixam governar. Como o chefe do Executivo talvez não saiba o que significa governar, os demais Poderes estão agindo com sensatez quando o impedem de abusar da figura jurídica da MP, disseminando insegurança jurídica e destruindo as instituições.