Postado às 05h20 | 27 Mai 2020
Ney Lopes
A quarentena permite cultivar o silêncio, que é a arte de falar consigo mesmo. Einstein disse, que “costumava repetir suas frases para si mesmo, com suavidade”. Aumentam a inquietação e a dúvida sobre o que virá depois.
A certeza é a necessidade de renovação de forças para enfrentar o futuro. Tudo começa por afastar os bufões do pessimismo, assemelhados aos personagens grotescos, que trazem consigo o sabor da inveja, desgraça, autosufiencia, rancor, como alertou Sancho Pança.
Livremo-nos deles!
As dificuldades para a reconstrução serão proporcionais a realidade que vivemos. O mundo nunca mais será o mesmo. As nações tenderão à reorganização interna, com protagonismo de um tipo de estado propenso as funções sociais prioritárias e readequações da economia.
A conjuntura brasileira é preocupante. Além da crise sanitária, enfrenta-se grave crise política, que fragiliza o país. Senão vejamos.
Politiza-se o uso de um medicamento (a hidroxicloroquina), no momento em que a revista médica “The Lancet”, após pesquisa em 96 mil pacientes, concluiu que o remédio apresenta risco de morte e a OMS suspendeu os testes, por razões de segurança.
Outro ponto também politizado é a insistência em confundir isolamento, com perdas para a economia. O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, foi enfático ao alertar que a recuperação econômica, somente será consistente, através de critérios científicos, que eliminem o risco da segunda onda do vírus, com restrições novamente.
A Coréia do Sul é exemplo. Lá não houve medidas rígidas de isolamento. Resultado: economia abriu, mas não há consumidores, pelas novas contaminações.
A China flexibilizou, conseguiu retomar a produção, mas não há demanda interna. Em Pequim, encontram-se lojas vazias, fechadas e invadidas.
O incrível é que no Brasil, mesmo diante de tantas evidencias, o tom de radicalismo, com posições inflexíveis, aumenta dia a dia e grupos ensandecidos assemelham-se aos “cruzados medievais”, que ostentando o símbolo da Cruz, combatiam o regime islâmico para reconquistar Jerusalém, a ferro a e a fogo.
Depois do mar de sangue, a história mostrou, que os cruzados desejavam era ampliar o comércio entre europeus e árabes, obtendo lucro ao abastecerem os exércitos, que atravessavam a Europa rumo ao Oriente.
O atual clima de tensão política lesiona até os princípios constitucionais da independência, harmonia dos poderes e livre convencimento do juiz.
O presidente Bolsonaro, insatisfeito com o STF, insinuou em “twitter”, que o ministro do STF, Celso de Mello, deveria ser preso, por divulgar o vídeo da reunião ministerial. A lei de abuso de autoridade proíbe divulgação de gravações, sem relação com a investigação.
No caso, não foi exposta intimidade, ou a vida privada do investigado. Tratou-se de reunião oficial investigada, com pauta oficial e troca de informações oficiais, o que não caracteriza momento de intimidade, em que pese o festival de “palavrões”.
Todas essas controvérsias enfraquecem a imagem do país e espantam os investidores globais.
O “Instituto de Finanças Internacionais”, que reúne bancos de investimento, fundos e bancos centrais em 70 países, afirmou em relatório, que a ausência de capitais no Brasil é decorrência da crise política permanente e a má condução da pandemia.
O resumo da ópera é que as tensões são realimentadas diariamente. Enquanto isto, a grande expectativa é a chegada da vacina. A política externa isolacionista afasta o país do debate internacional, que já admite revisões de posições doutrinárias e legais.
Churchill teve razão, quando afirmou, que “aqueles que nunca mudam de ideia, nunca mudam nada”.
Por tal motivo, a pandemia justifica a “quebra de patentes”, para que a vacina seja acessível a todas categorias sociais, com produção em larga escala, abastecimento e possibilidades do atendimento à população de forma gratuita, com os custos atendidos pelos governos, ou Fundo internacional.
O princípio da patente, portanto, passará por ajuste jurídico, para que os tratamentos e testes sejam isentos do privilégio de invenção, por 20 anos.
No Brasil, já houve precedente, no caso do HIV, que permitiu vacinação e tratamento gratuitos. Usou-se o princípio legal da “quebra de patente”, que desde 1996 é permitido em nossa legislação.
O autor do artigo foi o relator na Câmara Federal dessa legislação, que eliminou tais abusos da patente e protegeu os mais pobres.
Afinal, a vacina será para salvar a vida de todos e não apenas de alguns!