Postado às 05h50 | 15 Abr 2020
É inquestionável o desgaste na relação de confiança entre o Presidente Bolsonaro e o seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Além de abalada, torna-se dia a dia insustentável. A revista britânica “Economist” registrou que o Presidente da República tem “ciúmes” do seu auxiliar, sente-se ofuscado e partiu para o confronto aberto.
A Constituição, no artigo 84, I, dispõe, que compete privativamente ao Presidente da República nomear e exonerar os Ministros de Estado.
No caso do Ministro da Saúde e também por força da Constituição, cabe a ele “expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos”, além de estabelecer “as práticas de vigilância em saúde, visando a promoção e proteção da qualidade de vida integral dos cidadãos”, inclusive em casos de epidemias (artigo 87, inciso II, da Constituição Federal e a Portaria 1.565/94),
Parece óbvio que o Presidente, ao discordar das diretrizes do seu Ministro da Saúde teria que demiti-lo, usando o princípio de que quem nomeia demite e ninguém é insubstituível.
Entretanto, o Presidente Bolsonaro vacila, embora insista em demonstrar que “quem manda é ele”. Se queria e podia demitir, deveria ter assumido a responsabilidade muito antes e ponto final.
Como não o fez, o governo embrenhou-se numa complicada teia, que dificulta explicações racionais e consistentes, em relação a questionamentos, tais como, oposição às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de afastamento social; insistência no uso preventivo da hidroxicloroquina, quando ainda não há protocolos científicos seguros sobre este remédio e a pressão da opinião pública, cuja pesquisa mostra 80% de apoio à OMS e 76% de aprovação ao Ministro Mandetta.
A propósito da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Presidente Bolsonaro e seus radicais seguidores “ideologizaram” a instituição internacional, acusando o seu titular de “comunista”, pró governo da China.
Foi esquecido de ter o Brasil homologado o Tratado Internacional da OMS, cuja “aplicação é obrigatória e imediata”, de acordo com a regra do artigo 5°, § 2º, da Constituição Por ironia do destino, os delegados brasileiros subscreveram em 7 de abril de 1948, a criação da OMS.
A realidade mostra o agravamento da crise sanitária pela tensão política, sem data para terminar. A essa altura, “usar a caneta”, como o Presidente insinua nas redes sociais, tornou-se no mínimo politicamente perigoso, para quem só pensa em reeleger-se em 2022.
O estilo belicoso do Presidente, cria problemas para si mesmo, mobiliza oposição de governadores e prefeitos, recusa reconhecer pontos de vista contrários e, inclusive, enfrenta legislativo e judiciário. Se não fosse o bom senso da área militar que o cerca, o quadro seria muito mais grave.
Para onde caminhamos é a indagação constante. Até a finalização do presente artigo, existiam duas constatações, sem previsão de desfecho.
De um lado, a impressão de que o Ministro Mandetta perdeu a oportunidade de entregar o cargo e “pecou” ao desafiar a competência do Presidente para demiti-lo. Amor Towles, romancista americano, disse que “se um homem não dominar suas circunstâncias, ele é dominado por elas”.
Manetta não dominou as circunstâncias, que lhe eram favoráveis e com a entrevista ao Fantástico deu aos militares, que o defendiam, o argumento da “indisciplina” como motivo para afastamento do governo. Mandetta falhou, o que não invalida a responsabilidade e ética, demonstrados no Ministério da Saúde.
De outro lado, a “provocação desnecessária” de Mandeta termina por oferecer de “mão beijada” ao governo, os caminhos para a sua demissão, sem que se torne mártir, ou vítima da virulência presidencial.
Os integrantes do grupo ideológico radical (é quem influi, em última análise) já teriam a estratégia pronta de agora por diante, que será o “desprezo” à Mandetta, ignorá-lo completamente, esvaziá-lo e, ao mesmo tempo, prestigiar aqueles que se opõem a sua orientação no Ministério. O objetivo é que o Ministro peça demissão, sem o ônus do Presidente demiti-lo.
O rescaldo como exemplo para os outros ministros é que o governo tem perfil de profunda instabilidade emocional e política. Persegue a “ideia fixa” de que somente será reeleito em 2022, se partir para o confronto permanente, enfrentando “barreiras” e “opositores”, acusando-os de “traidores”, “vermelhinhos” e “comunistas”.
Essa arriscada estratégia expõe efeitos colaterais na vida dos brasileiros, que se preparam para uma difícil caminhada de reconstrução nacional, pós pandemia.
Em tempo: na reunião do Conselho de Governo de ontem, o presidente Bolsonaro disse que o comando do governo é dele. Será bom, que ele também comande os filhos.