Postado às 05h26 | 24 Mar 2021
Tema complexo, recheado de “mitos”, radicalismos e até “fake news” é o debate sobre as privatizações de empresas públicas no Brasil.
A abordagem vem a propósito de recentes polemicas nas mudanças das direções do Banco do Brasil e da Petrobras.
O primeiro grande equívoco é a repetição inconsequente, de que o liberalismo social significa ser incondicionalmente favorável às privatizações.
A história da humanidade e a evolução da doutrina liberal envolvem transformações, permanências e aplicação do princípio da razoabilidade, que impõem a coerência e afastam os excessos.
A crise econômica, política e social, que atingiu o mundo na primeira metade do século XX, levou países como Estados Unidos e Inglaterra, com sistema político-econômico liberal, promoverem rigorosos ajustes.
A teoria liberal se adaptou às novas exigências da sociedade e tornou-se cada vez mais democrática, acentuando a necessidade da igualdade de oportunidades e liberdade de mercado, como meio de viabilizar soluções para as massas carentes.
Gradualmente, o liberalismo admitiu a tendência do Estado regular direitos sociais do trabalhador, como férias, saúde, aposentadoria, desemprego etc.
Nessa época, liberais implantaram o imposto de renda, que tributou o rendimento pessoal e foi considerado verdadeira heresia, em face dos princípios ortodoxos do “laissez-faire, laissez passer” (deixe fazer, deixe passar).
Após a II Guerra, ganhou destaque a alternativa de privatizações de empresas públicas, no mundo capitalista.
A regra sempre esteve condicionada a análise prévia, caso a caso, em função da soberania e interesse público.
Os países ricos têm essa cautela, “até” após as privatizações.
O TNI (Transnational Institute), centro de estudos em democracia e sustentabilidade sediado na Holanda, divulga estatística de que, desde 2000, ao menos 884 serviços foram reestatizados em economias abertas. Isso ocorreu, porque as empresas privadas priorizavam os lucros e os serviços estavam ruins e caros.
A economia americana, a mais capitalista do mundo, mantém na órbita do estado agencias de crédito como a Fannie Mae (ativos de US$ 3,3 trilhões) e Freddie Mac (com ativos de US$ 2 trilhões), que estão entre as maiores forças econômicas globais.
Os exemplos vão além de Bancos.
Vejam-se empresas estatais (não financeiras) na Alemanha, a Volkswagen (US$ 431 bilhões); na França, indústria de infraestrutura (US$ 431 bilhões), Airbus (indústria aérea (US$ 117 bilhões), indústria automobilística (US$ 107 bilhões); Japão, a Japan Tobacco, indústria de tabaco (US$ 40 bilhões) e Noruega, indústria do Petróleo (US$ 104 bilhões).
Ao contrário do que se propaga, sem mínimo conhecimento da realidade, os países contemporâneos de mercado aberto criaram também empresas estatais multinacionais, que operam estratégias econômicas em defesa de suas economias para além de suas fronteiras.
Recente relatório identificou, aproximadamente, 1.500 “Estatais Multinacionais”, com mais de 86 mil filiais ao redor do mundo
A verdade é que essa questão não é tão simples, quanto parece. Nada a opor às privatizações de empresas deficitárias, não inseridas entre as funções essenciais do estado. Nos demais casos, a exigência fundamental é a boa gestão, que propicie lucros e ajude a receita pública.
Segundo o atual Ministério da Economia, o lucro líquido das empresas estatais aumentou 53% em 2019 na comparação com 2018. O levantamento mostrou, que número de funcionários de estatais caiu 3.7%, em 2019.
Outro aspecto a considerar é o fato do Brasil ter avançado em órgãos de controle, favorecendo a obtenção de resultados econômicos mais eficazes e responsáveis. A lei da Transparência jogou luz na gestão pública, ao obrigar a União, estados e municípios divulgarem, na internet, os seus gastos.
No debate da privatização do Banco do Brasil, observam-se até oposicionistas, criticando a saída de dois ex-presidentes, que estavam no cargo, com a missão de privatizar a instituição.
Esquecem que a indicação de Fausto de Andrade Ribeiro, funcionário de carreira, não deixa de ser alternativa de modernizar o Banco, com gestão eficiente, focando na inegável função social, afastada a influência política.
Nesse aspecto, está certa a tentativa do governo federal, em não partir para a privatização imediata.
Pelo que se percebe, no debate sobre privatização, a melhor regra vem do ditado popular: “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”.