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Na Itália, uma família tentava internar avô com coronavírus. Conseguiu quando alguém morreu

Postado às 05h20 | 06 Abr 2020

No dia 21 de março, os primeiros sintomas do que parecia ser uma gripe forte fizeram com que Giuseppe Guardabascio, 84, ficasse na cama o dia todo.

Durante toda a semana seguinte, a família desse agricultor aposentado da pequena Ariano Irpino, cidade de 22 mil habitantes no sul da Itália, lutou para que ele fosse internado devido à suspeita de coronavírus.

O caso ilustra as dificuldades pelas quais passa o país mais atingido pela pandemia no mundo. Até este domingo (5), a Itália registra 15.362 mortes devido ao vírus e 124.632 casos confirmados —incluindo o de Giuseppe.

Uma das netas do agricultor, Ângela, 27, afirma que o avô sempre foi um homem independente.

Tanto que insistia em sair para ir ao mercado ou para encontrar amigos em meio à crise da Covid-19, apesar dos pedidos para que permanecesse em casa, além do confinamento obrigatório em vigor em todo o país.

No dia 8 de março, o premiê Giuseppe Conte anunciou a quarentena para o norte do país, local mais atingido pela epidemia na Itália. Imediatamente, milhares de pessoas que moram na região, mas que têm origem no sul retornaram.

Foi assim que o coronavírus chegou em Ariano Irpino. Há relatos na cidade de que um garoto com sintomas foi ao Carnaval da cidade, evento com 500 pessoas, por exemplo. Um médico que também tinha passado pelo no norte da Itália infectou tantos colegas que o hospital local teve que fechar por alguns dias.

Até o momento, ao menos 25 pessoas morreram em decorrência de coronavírus na cidade da família Guardabascio.

Com muitos infectados, falta leitos e respiradores em Ariano Irpino e em toda a região sul —que embora tenha sido menos atingida, tem infraestrutura mais precária que o rico norte.

Assim, era esta a situação quando Giuseppe começou a sentir aquilo que achava ser uma gripe, que logo piorou. A febre subiu para quase 40ºC, o agricultor começou a tossir e chegou a ter alucinações.

Há dias sem poder dormir e temendo um contágio generalizado na casa —na qual moram, além do idoso, um de seus filhos, a nora e duas netas—, a família decidiu ligar para o serviço de emergência quase uma semana depois de ele apresentar os primeiros sintomas.

Do outro lado da linha, uma atendente pergunta qual é a temperatura corporal e como estão a respiração e o apetite de Giuseppe. A partir das respostas, conclui não ser necessário o envio de uma equipe médica à casa.

Recomendou apenas que o Giuseppe se hidratasse, descansasse e mantivesse o máximo de distância de todos.

Naquela noite, as netas se revezaram no cuidado do avô para aliviar o cansaço da mãe, nora de Giuseppe, que tinha ficado com o idoso nas noites anteriores porque seu marido não conseguia lidar com a doença do pai.

O dia seguinte passou sem que Giuseppe tivesse qualquer melhora. Mais uma vez, a família chamou o serviço de emergência, que enviou uma ambulância 30 minutos depois.

Assim como a atendente do telefone, a primeira atitude do médico foi medir a temperatura e a capacidade pulmonar do paciente. Naquele momento, o idoso apresentava 85% de saturação de oxigênio, índice considerado perigoso —em pessoas saudáveis, ele costuma ficar acima de 95%.

Apesar do resultado, o médico disse que nas circunstâncias atuais não seria possível interná-lo. A Itália tem 3,2 leitos por 1.000 habitantes, menos do que Alemanha (8), França (6) e Japão (13,1), mas mais que Espanha (3), EUA (2,8) e Reino Unido (2,5).

Com a grande quantidade de internações causadas pelo coronavírus, os hospitais italianos ficaram lotados e não há vagas, mesmo para quem está doente. Em Ariano Irpino, só existiam 32 leitos para a crise, sendo apenas 6 com respiradores. Dois dias após o início da pandemia, todos já estavam ocupados.

Assim, o médico orientou a família a ir a uma farmácia para comprar um balão de oxigênio, mesmo que nenhum dos moradores jamais tivesse usado um equipamento hospitalar.

O quadro de Giuseppe, no entanto, continuou a piorar, e a família voltou a chamar o serviço de emergência. Era um domingo, 29 de março.

Quando a ambulância enfim chegou, o patriarca da família Guardabascio já praticamente não conseguia respirar. O médico pediu que ele se levantasse e caminhasse pelo quarto por um minuto para saber como estava sua capacidade respiratória, mas ele só conseguiu dar alguns passos.

O aparelho apontou a saturação de oxigênio em 78%. Giuseppe poderia morrer, mas sem ter para onde levá-lo e visivelmente frustrado, o médico se recusou a internar o paciente.

Aumentou então o volume de saída de oxigênio do cilindro que a família comprou no dia anterior e afirmou que, naquele estado, nenhum hospital o aceitaria. A prioridade é de quem está em situação mais grave.

Assim, seria melhor que ele estivesse em casa, e não dentro de uma ambulância eventualmente por horas até que algum hospital o recebesse.

O médico também queria que a família assinasse um termo de responsabilidade, segundo o qual todos estariam de acordo com a recomendação. A família se recusou, dando início a uma discussão.

A questão só foi resolvida quando o próprio Giuseppe aceitou assinar o documento.

No dia seguinte, a condição do agricultor piorou ainda mais, e os médicos mais uma vez foram chamados. Desta vez, uma boa notícia. Uma vaga se abriu, e o avô poderia ser internado.

Minutos depois, quando a ambulância chegou ao hospital, a maca que levava Giuseppe esbarra na maca em que estava o corpo de uma freira franciscana de 78 anos. Ela tinha acabado de morrer por causa do coronavírus. Era a vaga dela que o agricultor iria ocupar.

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