Postado às 05h58 | 11 Nov 2021
Igor Gielow
Isolado, ex-ministro antecipa críticas e tenta ligar lava-jatismo à realidade de 2022
Se alguém ainda acalentava a ideia de que Sergio Fernando Moro usaria sua estreia no figurino de presidenciável para pregar uma união nacional abnegada, em que todos os candidatos da terceira via estariam de mãos dadas para decidir quem romperia a polarização lá para abril, perdeu tempo.
Como seria previsível, Moro apresentou-se como o depositário de um projeto a ser seguido. "Aberto para adesão" da "pessoa que quiser me apoiar", nas palavras do ex-juiz. Claro, depois ele falou que apenas estava se colocando à disposição de um projeto e disse que há bons nomes na praça.
Mas para o bom entendedor, Moro foi Moro. Falou em um chamado messiânico no questionamento se ele havia abandonado o Brasil por ter aceito um contrato milionário no exterior ("Precisava ganhar a vida", num momento em que foi visto como carta fora do baralho), disse antecipar uma luta estilo Davi versus Golias.
A presença solitária do menos denso dessas alternativas a Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, Luiz Henrique Mandetta (DEM), foi eloquente. Convidado à filiação de Moro ao Podemos, governador João Doria (PSDB) preferiu tratar do esquema de segurança da Fórmula-1 em São Paulo.
"Gosto de Sergio Moro. Estaremos juntos na luta pelo Brasil em 2022", disse telegraficamente à Folha o tucano.
Em 50 minutos de discurso, o ex-juiz símbolo da Operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro buscou, antes de tudo, oferecer "hedges" às críticas que recebe.
Assim, iniciou curiosamente admitindo que sua dicção e tom de voz não são exatamente inspiradores, mas conclamou a plateia a ouvir "suas palavras". De fato, como a organização algo amadorística do evento demonstrou, ainda falta adicionar firulas do marketing político à nova persona do ex-juiz.
Refutou a pecha de ter feito uso político de sua caneta na Vara Federal de Curitiba, um recado que se tornou difícil de assimilar após ter tido suas sentenças contra Lula anuladas por parcialidade pelo Supremo, independentemente do mérito de acusações.
Teve mais sucesso ao negar Bolsonaro pela enésima vez, ao dizer que apenas queria mudanças no país. É um discurso com o qual o bolsonarista arrependido se identifica, e ele está longe de ser uma força desprezível em 2022.
Esta, contudo, é a questão central da fala de Moro. Se tivesse sido apresentada para a eleição de 2018, há poucas dúvidas sobre o potencial eleitoral que teria representado para o ex-juiz. Naquele momento, estar isolado na política como ele está hoje, odiado à esquerda e à direita, era um trunfo que Bolsonaro aproveitou bem.
E Moro era imensamente mais popular naquele ponto de sua carreira, sem ter sofrido o desgaste do ano em que foi ministro até romper com Bolsonaro e virar presidenciável ou os arranhões da Vaza-Jato e no Supremo.
Talvez por não ter mais o que mostrar, o tom da cruzada anticorrupção permeou sua primeira fala. É uma aposta, em especial porque ele jogou no mesmo balaio o antipetismo ("Chega de mensalão" soou muito 2005, contudo) e o antibolsonarismo ("Chega de rachadinha", mais atual).
Mas eleições são sobre uma pergunta só: o que a população quer. E com inflação perigando sair de controle, gasolina a R$ 8 o litro e efeitos nefastos da pandemia ainda em curso, a resposta tende a estar na formulação clássica do marqueteiro americano James Carville: É a economia, estúpido.
Obviamente, essa é uma observação de novembro de 2021, e a própria existência de um presidente Bolsonaro mostra que futurologia é ocupação de alto risco.
Moro ensaiou um caminho de ligar o lava-jatismo à realidade de 2022, ao associar a corrupção à miséria, cujo combate logo na sequência entrou na sua lista de prioridades, ao lado do fim das desigualdades, do cerco à inflação, das liberdades individuais, da família, do emprego, da defesa do ambiente, enfim, de tudo.
Por óbvio a parte mais rasa de um discurso unidimensional, a lista de prioridades ainda viu Moro beijar a cruz do mercado, mas negar o "capitalismo cego", citar novamente Abraham Lincoln (governo "sem malícia e com caridade"), reciclar o Fome Zero de Lula ("Força-Tarefa da Miséria ou algo assim) e defender jornalistas.
Mas sua ênfase era no papel no qual se sente mais confortável, o de cruzado que quer a instalação de uma "corte anticorrupção", do fim do foro privilegiado e da reeleição. Colocou na conta também um superdimensionado sucesso no combate ao crime, já que sua pasta cuidava também da Segurança, ao longo de 2019.
Moro também assumiu um papel crescente, o de favorito entre os militares decepcionados com Bolsonaro. Defendeu as Forças Armadas como instituições de Estado numa plateia em que estavam os influentes generais da reserva Carlos Abertos dos Santos Cruz e Paulo Chagas.
Há pouca dúvida de que esse foco talhado para 2018 encontra ressonância hoje, mas é incerto seu efeito na viabilização de uma candidatura altamente insular.
Seja como for, ao lado da criação do personagem Bolsonaro do Centrão e da entrada em cena do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Moro mexe placas tectônicas de 2022, como as ausências à sua estreia demonstram.
Em abril, houve um momento breve de união dessas forças para criticar a crise militar provocada por Bolsonaro, mas o padrão de interesses dissonantes segue prevalente. Moro entendeu isso.