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Memória: "Tesoura do meu pai e morte de Chiquinho alfaiate"

Postado às 05h20 | 04 Mar 2024

Chiquinho Alfaiate usou em vida, o mesmo instrumento de trabalho que meu Pai usou- a tesoura do alfaiate - para sustentar a família.

Ney Lopes

Faleceu ontem, 3, em Natal, e será sepultado hoje, Francisco Pereira, 84, Chiquinho Alfaiate, conhecido como “tesoura de ouro”. 

O velório ocorrerá no Vila Memorial São José, e a cremação do corpo às 14h30 no Sempre Crematório.

Lamentei muito. Conhecia-o há anos.

Fiz muitas peças de vestuário com ele.

Ele bem mais moço do que meu pai, também alfaiate Josias de Oliveira Souza.

Mas se conheceram e em nossos encontros haviam lembranças da profissão.

Um homem cordial.

Vivia para a família.

Uma sua neta é muita amiga da minha neta Rafaela.

Chiquinho atraía amigos papa “papos” em sua oficina, que fixou durante anos no edifício Barão de Rio Branco, centro da cidade,

O ambiente de “alfaiataria” me traz grandes recordações.

Menino de calças curtas (moda da época), acompanhava a atividade do meu Pai e seguia a sua orientação.

Ele dizia sempre, que era necessário “trabalhar desde criança“, como fizera em seu berço de nascimento, a querida cidade do Assú, RN, que venerava e se orgulhava dos amigos que lá deixara.

Desde os 12 anos ajudei-o na Alfaiataria Globo, na rua presidente Quaresma, no Alecrim.

Alinhava as provas de "paletós", seguindo as linhas do giz traçadas no tecido pelo meu pai.

Aqui acola, cliente dava uma “gorjetazinha”.

“Seu Josias” não costurava.

Tinha pequeno estoque de tecidos à venda e, com uma tesoura, cortava o “pano”, cujas partes eram remetidas à pequena oficina que mantinha, para confecção final.

Na verdade, uma mini indústria de confecção dos anos 50.

Como o mesmo ofício que Chiquinho desenvolveu durante toda a sua vida, a alfaiataria Globo produzia vestimentas artesanalmente, surgida no final da Idade Média, entre os séculos XII e XIV.

Era uma técnica que buscava a perfeição, respeitando sempre as particularidades individuais.

Cada peça confeccionada, exclusivamente de acordo com as preferências de cada um, preservava a qualidade em primeiro lugar.

Os familiares de Chiquinho, Laerson e de tantos outros dignos profissionais da alfaiataria poderão recordar as suas memórias, lembrando a "tesoura", o principal instrumento de trabalho dessa profissão.

Na hora da partida eterna de Chiquinho vem à mente a figura do paraibano Larsson Barbosa de Vasconcelos, dono da Alfaiataria Vilaça, na avenida Tavares de Lira, lado da sombra, entre a Duque de Caxias e a Câmara Cascudo.

Também amigo do meu pai foi quem confeccionou, como presente, o terno do meu casamento em 1967.

Certamente, Chiquinho teve convivência com ele

Foi um dos alfaiates prestigiados dos anos 50 e 60, em Natal.

Em crônica, Aurino Araújo traçou o seu perfil como alto, troncudo, braços fortes.

Era a antítese do que se espera de um alfaiate, geralmente um sujeito elegante, maneiroso, fala mansa, Laerson – exímio mestre na tesoura – era justamente o contrário disso, observou Aurino.

Ao invocar a figura do alfaiate "seu Josias" veem à memória lutas que enfrentei.

Ele dizia ser impossivel penetrar do "mundo fechado" das oligarquias políticas estaduais.

A minha reeleição de 2002 mostrou esses obstáculos.

O resultado final para a Câmara Federal surpredendeu aos então candidatos a governador Fernando Bezerra e José Agripinoa ao Senado, que em comicio na cidade de Guamaré, próximo ao dia da eleição de 2002,  haviam me garantido que chamariam para secretarias do governo estadual Múcio Sá, Lavoisier Maia e Iberê Ferreira (os dois primeiros derrotados) , também candidatos a deputado federal, que deveriam ser os eleitos.

Colocavam-me na posição derrotada de terceiro suplente.

A garantia era que eu assumiria o mandato de deputado federeal, mesmo como terceiro suplente, após a convocação dos já considerados eleitos na preferência deles, para secretarias de estado importantes no governo Fernando Bezerra.

Apurados os votos, fui o mais votado da sigla  (PFL), com mais mais de 99 mil votos.

Iberê Ferreira me superou com menos de mil votos na coligação, sendo parente próximo de Fernando Bezerra -  o candidato a governador; amigo íntimo de José Agripino, ex-governador,  então candidato ao senado  e ex-relator do Orçamento da União.

Um fato curioso: dois dias depois de eleito, concluída a apuração, almoçava com a minha esposa no restaurante  Agaricus, em Natal, e entra o empresário e meu amigo José Nilson de Sá, o pai de Múcio de Sá, que  perdera a eleição de deputado federal, na mesma coligação que a minha.

José Nilson, de braços abertos, indaga incisivamente: " me explique, como é que você venceu essa eleição. Participei de tudo na cúpula do partido e não havia essa previsão".

De imediato respondi: "como sempre foi Deus, amigo!".

O meu filho Ney Júnior saudou-me neste ano, ao lado de amigos e familiares, após ter me reelegido deputado federal, na eleição mais difícil da minha vida, quando o meu próprio partido me considerava derrotado.

Nesse clima de alegria (rezamos no início do encontro), Ney Júnior fez discurso, no qual exibiu a “tesoura” de Seu Josias, e disse:

Você papai de origem humilde, tudo começou com esta tesoura que agora exibo, pertencente ao seu pai e meu avô Josias, que com ela cortava tecido para confecção de roupas numa alfaiataria do bairro do Alecrim, em Natal”

"Desde cedo enfrentou dificuldades, sobretudo discrminações por não ter nascido em berço de ouro e os seus pais terem se sacrificado para que estuadasse em colégio de primeira linha na cidade, convivendo com colegas abastados"

"Hoje supera mais uma dificuldade, voltando pela sexta vez à Câmara Federal, com a ajuda de Deus e do povo".

Na Eternidade, a esperança é de que “seu” Josias, Laerson, Chiquinho e outros tantos profissionais conterrâneos gozem da Paz Eterna, ao lado da "tesoura",  símbolo profissional que garantiu a sobrevivência pessoal deles e da família..

Que Deus console a todos nós!

 

QIlavoise

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