Postado às 07h52 | 05 Dez 2020
Donald e seu pai, Fred, em 1988, no Plaza Hotel em Nova York
BBC
Um livro de memórias escrito pela sobrinha do presidente americano Donald Trump afirma que ele é um "narcisista" que ameaça a vida de todos os americanos.
O livro de Mary Trump, Too Much and Never Enough: How My Family Created the World's Most Dangerous Man (Demais e nunca suficiente: como minha família criou o homem mais perigoso do mundo, em tradução livre), descreve seu tio como uma fraude e alguém que intimida os outros.
A Casa Branca rechaça as alegações feitas no livro. Trechos da obra foram vazados para a mídia americana.
A família Trump processou a publicação para barrar seu lançamento no dia 14 de julho.
Mary Trump, de 55 anos, escreve que, para seu tio, "nada é suficiente" e que o presidente dos EUA exibe todas as características de um narcisista.
"Donald não é simplesmente fraco, seu ego é uma coisa frágil que deve ser reforçada a todo momento, porque ele sabe no fundo que não é nada do que afirma ser", escreve a sobrinha, que possui doutorado em psicologia clínica, sobre Trump.
Ela diz que o presidente foi influenciado por assistir a seu proprio pai, Fred Trump, intimidar o pai dela, Fred Trump Jr - que morreu de uma doença relacionada ao consumo de álcool quando ela tinha 16 anos.
Mary Trump escreve que seu avô era extremamente severo com o filho mais velho, Fred Jr, quem ele queria que assumisse o negócio imobiliário da família. Mas, como o pai de Mary se afastou dos negócios, o avô não teve escolha a não ser recorrer ao segundo filho, Donald.
Não foi uma escolha feliz, insinua a sobrinha. "Quando as coisas pioraram, no final da década de 1980, Fred não podia mais se separar da ineptidão brutal de seu filho; o pai não tinha escolha a não ser se comprometer", ela escreve sobre a atitude do avô em relação ao futuro 45º presidente dos EUA.
"Seu monstro havia sido libertado."
A Casa Branca rejeita a alegação de que o pai de Trump tenha sido rígido e duro, dizendo que o presidente "descreve o relacionamento que teve com seu pai como caloroso, e que seu pai era muito bom com ele".
"Tinha que derrubar Donald"
No livro, Mary Trump descreve como ela forneceu documentos fiscais ao jornal americano The New York Times, que os usou para publicar uma reportagem investigativa de 14 mil palavras sobre os "duvidosos esquemas fiscais de Trump durante os anos 90, incluindo casos de fraude descarada, que aumentaram bastante a fortuna que ele recebeu dos pais".
Mary Trump disse que foi abordada por jornalistas em sua casa em 2017 e inicialmente relutou em ajudar.
Ela esperou um mês, assistindo a como "Donald destruiu normas, ameaçou alianças e pisou nos mais vulneráveis", antes de decidir entrar em contato com o repórter do New York Times.
Depois de contrabandear 19 caixas de documentos legais para fora do escritório de advocacia onde estavam guardadas, ela as entregou a repórteres. Ela descreve como os abraçou, chamando aquele de o momento "mais feliz que vivi em meses".
"Não me bastava ser voluntária em uma organização que ajuda refugiados sírios", ela escreve. "Eu tinha que derrubar Donald."
Mary Trump afirma que seu tio pagou um amigo para fazer o teste SAT para ele - um exame padronizado feito por estudantes americanos depois do ensino médio, que influencia a aceitação em universidades - porque ele estava "preocupado com o fato de sua média de notas, que o colocava longe do topo de sua classe, atrapalhar seus esforços para ser aceito".
Ele contratou "um garoto inteligente, com a reputação de ser bom em testes, para fazer os SATs por ele", escreve ela, acrescentando: "Donald, a quem nunca faltou dinheiro, pagou bem ao amigo".
Trump estudou na Universidade Fordham, em Nova York, mas depois foi transferido para a Escola de Negócios Wharton, na Universidade da Pensilvânia.
A Casa Branca nega que o presidente tenha trapaceado no vestibular.
Donald seria 'incapaz de experimentar emoções
Mary Trump culpa o patriarca da família Trump, Fred Trump, por grande parte da suposta disfunção familiar. Ela diz que o avô Trump, um magnata imobiliário de Nova York, "destruiu" Donald Trump, interferindo em sua "capacidade de desenvolver e experimentar todo o espectro das emoções humanas".
"Ao limitar o acesso de Donald a seus próprios sentimentos e tornar muitos deles inaceitáveis, Fred perverteu a percepção do filho sobre o mundo e afetou sua capacidade de viver nele", escreve ela.
"A suavidade era impensável", para o avô Trump, ela escreve, acrescentando que ele ficava furioso e zombava sempre que o pai dela - conhecido como Freddy - pedisse desculpas por qualquer erro.
O patriarca queria que seu filho mais velho fosse "matador", diz a autora.
Donald Trump, sete anos mais novo que seu falecido irmão, "teve muito tempo para aprender assistindo a Fred humilhar" seu filho mais velho, escreve Mary Trump.
"A lição que ele aprendeu, na sua forma mais simples, foi que era errado ser como Freddy. Fred não respeitava o filho mais velho, assim como Donald."
Mary Trump escreve que seu tio pediu a ela que escrevesse um livro sobre ele, chamado "Art of the Comeback" (arte do retorno), e forneceu "um compêndio de mulheres que ele esperava namorar, mas que, ao recusá-lo, eram subitamente as piores, mais feias e gordas mulheres que ele já havia conhecido".
Mais tarde, ele mandou alguém demiti-la e nunca a pagou por seu trabalho, ela alega.
Ela diz que Trump fez comentários sugestivos sobre seu corpo quando ela tinha 29 anos, embora ela fosse sua sobrinha e Trump estivesse casado com Marla Maples, que foi sua segunda mulher.
Segundo ela, Trump disse a sua atual esposa Melania que sua sobrinha havia abandonado a universidade e consumido drogas na época em que a contratou para o projeto do livro. É verdade que Mary Trump deixou a faculdade, mas ela diz que nunca usou drogas e diz acreditar que seu tio inventou a história para se apresentar como seu "salvador".
"A história era para seu benefício tanto quanto para qualquer outra pessoa", escreve ela, que diz que "ele provavelmente já acreditava em sua versão dos eventos".
Mary Trump, 55 anos, é filha de Fred Trump Jr, irmão mais velho do presidente, que morreu em 1981 aos 42 anos.
Ele lutou com o alcoolismo durante grande parte de sua vida e sua morte prematura foi causada por um ataque cardíaco ligado ao consumo de álcool.
O presidente Trump citou os problemas pessoais de seu irmão como incentivo para a pressão de seu governo para combater a crise de saude ligada aos opioides nos EUA.
Em uma entrevista no ano passado ao Washington Post, Donald Trump disse que lamentava ter pressionado o irmão mais velho a ingressar no negócio imobiliário da família.
Mary Trump evitou amplamente os holofotes desde que seu tio se tornou presidente, embora ela tenha sido crítica a ele no passado.
Depois que Trump venceu as eleições, em 2016, ela descreveu a experiência como a "pior noite" de sua vida, segundo o Washington Post.
"Deveríamos ser julgados duramente", ela tuitou. "Eu lamento pelo nosso país."
Na manhã de quarta-feira, 9 de novembro de 2016, a surpresa tomou conta do mundo. Muitos sentiram euforia. Muitos outros ficaram tristes. Alguns, medo. E Mary L. Trump andava de um lado para o outro em sua casa, traumatizada como tantos norte-americanos, mas de uma maneira mais pessoal. “Sentia que 62.979.636 eleitores tinham escolhido transformar este país em uma versão macro da minha malignamente disfuncional família”, explica.
Embora tenha tentado durante anos, Mary L. Trump não pode esconder seu sobrenome. Ela é tão Trump quanto o tio, o 45º presidente dos Estados Unidos. É neta do patriarca Fred Trump, um “sociopata” que empurrou seu primogênito, o pai de Mary, ao alcoolismo que o levou à morte prematura. Mas esta doutora em Psicologia Clínica de 55 anos é a antítese do que o mundo associa aos Trump. Culta, devoradora de livros desde a infância, com vocação de escritora, homossexual, de esquerda. E decidiu contar como sua família criou “o homem mais perigoso do mundo”, como diz o subtítulo de seu livro, Too Much and Never Enough (Demais e Nunca o Bastante, ainda sem edição no Brasil), um fenômeno editorial que está sendo publicado agora na Espanha
Toda a família decidiu manter silêncio sobre o tipo de pessoa que Donald Trump é, diz a autora, por lealdade ou por medo. Mas ela não se sente limitada por uma nem pelo outro. “Em primeiro lugar, fui deserdada pelos meus avós há 20 anos e isso me separou da família”, explica a autora em conversa pelo Zoom. “É difícil sentir lealdade por pessoas que expressaram tão abertamente sua deslealdade para com você. Mas isso não tem nada a ver com esse fato: quero pensar que teria dado o passo de qualquer forma. Existe muita coisa em jogo. E não tenho medo deles. Talvez porque os conheça muito bem.”
Como psicóloga, Trump diz que o tio reúne todos os critérios de um quadro de transtorno narcisista. Mas aventurar-se com um diagnóstico, afirma, seria complexo, além de desnecessário. “Com os transtornos de personalidade, se estivermos no espectro do grave, há muitas coisas que se sobrepõem”, acrescenta. “Poderíamos nos concentrar no óbvio e fazer o desenho, mas evitei isso por vários motivos. Primeiro, porque acredito que é irrelevante. Devemos olhar apenas para o comportamento dele, que é atroz. Por outro lado, há muito mais nele do que o transtorno de personalidade. Existe potencialmente um abuso de substâncias, com base na quantidade de cafeína que consome. Ele tem claramente um transtorno do sono, não dorme o suficiente. E também há o físico. Ele não faz exercícios, tem uma dieta terrível. Tudo isso afeta fortemente o bem-estar psicológico de alguém. No entanto, insisto que o que importa é o comportamento. Ele se comporta de maneira perigosa, seja deliberadamente ou como resultado de suas psicopatologias. Quem se importa com isso!”
O livro é a história da essência putrefata de uma família branca em busca do sonho americano. Uma família marcada pela personalidade do patriarca, Fred Trump, avô da autora e pai do presidente. Um homem impiedoso que destruiu o pai de Mary, o filho mais velho, que não considerou apto para dirigir o negócio imobiliário da família, e cuja sombra continua marcando o presidente. “Donald e meu avô são muito diferentes”, aponta. “Acho que meu avô era assim desde o nascimento. E Donald ficou assim por causa do meu avô, que era um homem muito cruel. Donald imita meu avô de várias maneiras. Essa obsessão de ganhar a todo custo. Essa ideia de que tudo é transacional. Se alguém não tem nada a lhe oferecer, não deve ser levado em consideração. Existe apenas um vencedor; todos os demais são perdedores. Essa incapacidade de admitir erros, de pedir desculpas. Todas essas coisas eram consideradas pontos fortes na minha família. Assim como ser amável era considerado uma fraqueza.”
Com uma figura paterna assim, é inevitável perguntar que tipo de pai Donald Trump foi para seus filhos. “Ele não teve nada a ver com eles quando eram crianças”, diz a autora. “Foram criados pelas empregadas. Depois ficaram totalmente dependentes do dinheiro da família e sabem o que têm de fazer para que continue assim.”
Não é por acaso que Mary L. Trump usa a inicial do segundo nome (Lea). Ela o faz para se diferenciar da avó, Mary Trump, de quem tampouco tem boas recordações. Ajuda o fato de que, depois da morte do avô, quando lhe telefonou para perguntar por que ela e o irmão, os únicos filhos de seu primogênito morto, tinham sido deserdados, a avó respondeu: “Você sabe quanto valia o seu pai? Um monte de nada.” E desligou.
Se seu tio é vítima de uma família assim, você não deveria sentir pena dele? “Acredito que deveríamos ter compaixão pela criança que foi”, admite. “Crescer na família dos meus avós deve ter sido um pesadelo. Para mim era difícil escrever sobre isso. Mas meu pai morava na mesma casa e era uma pessoa boa e generosa. Muita gente teve uma infância horrível e depois foram adultos decentes, empáticos e compassivos. Donald é adulto. Sabe a diferença entre bom e mau. Conhece as regras, embora decida não segui-las. Portanto, nenhuma compaixão. Ele deve ser responsabilizado e deve haver uma reflexão séria neste país sobre como ele chegou onde está.”
Isso leva de volta ao início daquela manhã de novembro de 2016, quando ela compreendeu que milhões de seus concidadãos tinham escolhido transformar o país em uma versão de sua família. “A única maneira de explicar isso é que nos últimos 40 anos fizemos muito para garantir que uma porcentagem significativa do eleitorado fosse ignorante”, afirma.
Eleitora dos democratas durante toda a vida, a autora afirma que fará tudo o que estiver ao seu alcance para que Joe Biden ganhe as eleições. E a escolha de Kamala Harris como candidata a vice-presidenta a deixa “muito feliz”. “Isso vai além da política”, defende. “Nosso país está em jogo. Ele põe em perigo a democracia americana. Não se trata de democratas e republicanos. Não sei como posso ajudar. Por enquanto as pessoas estão respondendo bem ao livro.”
O livro, de 200 páginas que se devoram, com uma abordagem muito diferente de outros títulos que se aproximaram da figura do polêmico presidente, vendeu quase um milhão de exemplares no dia de julho em que foi lançado. Ajudou a expectativa criada pela família, que tentou sem sucesso impedir a publicação na Justiça. “Minha principal motivação era que as pessoas tivessem todas as informações sobre o tipo de pessoa que ele é, para que quando votarem não possam dizer que não sabiam”, enfatiza. “Não é uma vingança, é preocupação com o que está acontecendo.” Ela não tem reparos em afirmar que seu tio é “racista”. “Na casa dos meus avós, o racismo, a misoginia e a homofobia eram aceitáveis. Mas, novamente, devemos observar suas ações. As coisas que ele diz e faz não são apenas asquerosas, são perigosas e aterrorizantes.”
A autora, que é considerada a primeira Trump abertamente homossexual, descreve um ambiente familiar tóxico. “Ninguém sabia nada sobre mim. Não tinha motivos para dizer isso. Embora não fosse um tema de conversa, sabia que eram homofóbicos. Esse ambiente é visto nas políticas de Donald, com essa determinação em ser o mais divisionista possível. É a maneira dele de se conectar com suas bases: quanto mais odioso ele é para com as pessoas que eles odeiam, mais gostam dele.”
A autora afirma que quando vê o presidente na televisão continua vendo o tio que conheceu na infância. “Continua preocupado se as pessoas gostam dele”, conclui. “O problema é que ele não entende o que é o amor, porque nunca foi amado quando criança. Nunca será amado de uma forma que importe. Isso é uma grande parte da razão pela qual é tão cruel. Ele tem um grande conceito de si mesmo; enfrentar quem ele realmente é o destruiria psiquicamente. Seria impossível assumir que é uma pessoa tão frágil, medíocre e assustadora.”