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Martha Rocha, a eterna Miss Brasil. Morreu com dificuldades financeiras, após ter patrimônio roubado pelo cunhado

Postado às 05h27 | 06 Jul 2020

Admirada no Brasil, a baiana virou nome de bolo e modelo de carro Foto: ACERVO ESTADÃO

A primeira Miss Brasil, Martha Rocha, morreu no sábado (4), em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, aos 87 anos. O corpo da baiana nascida em Salvador foi enterrado neste domingo (5), no Cemitério no Santíssimo Sacramento, segundo confirmou ao G1 um dos três filhos, Álvaro Piano.

A causa da morte, segundo o filho, foi insuficiência respiratória seguida de infarto.

"A vida dela foi muito sofrida nos últimos anos, ela estava acamada há muito tempo e não conseguia andar. Morreu sem muito sofrimento. Ela já estava cansada. Rodeado de pessoas que cuidavam dela. Esses últimos meses a gente só se falava através de contatos telefônicos. Sinto falta da minha mãe, mas ela descansou", disse Álvaro.

Eduardo Marini, do R7

Entrevista em 12 de outubro de 2009

Uma polegada equivale a 2,54 centímetros. Duas somam 5,08 centímetros.

A glória total e o risco de não resistir aos baques da vida sempre estiveram a duas polegadas da baiana Marta Rocha.

Para a glória total, faltaram duas polegadas.

No sentido literal, preciso, na medida exata: Martha, um dos mais cultuados símbolos de beleza do país no século 20, ficou em segundo lugar no Miss Universo de 1954, nos Estados Unidos, exatamente por ter duas polegadas a mais nos quadris do que permitia a lei do concurso.

Tinha 18 anos na época. Os lírios, como atestou o genial Carlos Drummond de Andrade, não nascem mesmo das leis. O que era doce ênfase de encanto ao olhar de todo brasileiro foi considerado exagero, over, pelos jurados majoritariamente americanos.

Mesmo com o segundo lugar, Martha encontrou a glória. Ela frequentou as melhores e mais graduadas rodas. Trabalhou como modelo e garota propaganda em estúdios de Hollywood. E, no Brasil, gravou dois discos com um dos maiores furacões musicais do Brasil delicado daquela metade do século 20: a cantora Emilinha Booooooorrrrba.

Neste domingo (11), Martha recebeu mais uma homenagem importante. Ela gravou as mãos na Calçada da Fama de Ipanema, um projeto mantido pelo misto de livraria e ponto de encontros musicais Toca do Vinícius, no número 129 da célebre rua Vinícius de Moraes, quase esquina com Farme de Amoedo. Na República de Ipanema, claro.

Fará companhia a figuras do quilate do compositor Braguinha, da cantora Maria Bethânia e dos craques Zico, Roberto Dinamite e Jairzinho, entre muitos outros. O cantor Milton Nascimento será o próximo.

O sofrimento também esteve a duas polegadas de Maria Martha Hacker Rocha, sétima filha mulher – e sétima Maria – dos onze tidos pelo engenheiro Álvaro e Hansa Rocha.

 

História sofrida de vida (2005)

Aos 23 anos, Martha ficou viúva do primeiro marido, o banqueiro argentino Álvaro Piano, morto num acidente de avião. Com ele, teve dois filhos: Álvaro, hoje com 50 anos, e Carlos Alberto, 49. A filha mais nova, Cláudia, 42, é fruto do segundo casamento, com Ronaldo Xavier de Lima.

Não foi só. Em 1995, teve todas as suas economias roubadas pelo cunhado, Jorge Piano, fundador da Casa Piano, um das maiores casas de câmbio do Rio de Janeiro na segunda metade do século 20.

Jorge fugiu para o exterior com o dinheiro da musa, de outras figuras-símbolo da carioquice típica (se é que existe outra), como o colunista Ibrahim Sued, e de mais 700 incautos. Martha prefere não revelar quanto perdeu.

Em dificuldade, ela vendeu seu apartamento de quatro quartos na Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos pontos mais exuberantes do Rio e do País, para saldar compromissos, evitar a bancarrota e sobreviver enquanto reorganizava as finanças pessoais.

- Fui traída por este cidadão que, veja só, é também pai de uma de minhas noras e, portanto, avô de netos meus.

Em 2001, soube que tinha câncer de mama.

O tratamento foi longo, mas felizmente controlou a doença.

Em julho passado, viu morrer a neta Fernanda, 24 anos, vítima de complicações geradas a partir de uma pneumonia.

A eterna Miss Brasil sobreviveu. Varreu tudo para fora de sua passarela com altivez e a luminosidade que ainda cintila no par de olhos espantosamente azul.

Hoje, vive afastada da agitação. Mora feliz em Volta Redonda, cidade do Vale do Paraíba fluminense às margens da Via Dutra, com 262 mil habitantes, distante 134 quilômetros do Rio e 280 quilômetros de São Paulo.

Volta Redonda é a Cidade do Aço. O apelido vem do fato de abrigar uma das maiores usinas siderúrgicas do mundo, a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), criada como estatal em 1941, no governo do presidente Getúlio Vargas. Hoje privatizada, a CSN é controlada pelo empresário Beijamin Steinbruch.

O tempo é cruel para todos, mas sabe produzir exceções. Aos 73 anos, Martha Rocha ainda é beleza rara concentrada em 1,60 metro de altura.

Estar bonita aos 73 anos – e linda se considerarmos sem piedade a média das senhoras de 73 anos - não chega a ser uma surpresa diante da amizade reverente e inabalável que o destino insistiu em manter com “Martha Rocha gostosona”, como a chamavam muitos nos anos 1950 e 1960. Para encantamento dos homens e surpresa das mulheres.

Continua também extremamente fina e educada.

O repórter quis saber seu peso atual.

- Não me peso há muito tempo. Devo ter engordado um pouco em função dos remédios para o tratamento do câncer. De qualquer forma, acho que você, um moço educado como percebi, não seria capaz de me submeter a um teste desta natureza a essa altura dos meus 73 anos, não é mesmo?

O repórter mudou de assunto no instante.

Martha foi para o interior fluminense assim que teve o câncer diagnosticado.

- Resolvi buscar tranquilidade. Um dos meus filhos, que é agrônomo, morava em Volta Redonda. Ele foi embora, mas eu me apaixonei pelo lugar e fiquei.

Na primeira fase, morou em uma casa espaçosa e distante da região mais populosa da cidade. Atualmente, vive num apartamento de três quartos em um bairro mais central, o Aterrado.

A rotina inclui longas caminhadas, leituras de livros, filmes em DVD e muita música. Ouve Puccini, Verdi, Luciano Pavarotti, Emílio Santiago, Maria Rita. E de um cantor da cidade chamado Ricky Valen.

- Esse rapaz é um talento. Precisa ter um espaço maior no cenário nacional.

Há algum tempo, Martha dedica-se às artes plásticas. A venda de alguns quadros abstratos ajudou a segurar as pontas depois do golpe aplicado pelo cunhado Jorge Piano. Muito da produção está anunciada na sua página na Internet, www.martarocha.com.br. Assim mesmo, sem o h.

E assiste televisão com regularidade.

- Gosto muito da Record. Admiro o trabalho do Celso Freitas e da Ana Paula Padrão. Acompanho também muitos dos debates organizados pelos pastores no início da madrugada. Há sempre temas interessantes.

Para a apresentadora Ana Hickmann, Martha Rocha dedica um comentário que, à luz de sua história pessoal, deve ser guardado com honras de prêmio superior.

- Além de linda, ela é muito competente no que faz.

As visitas aos amigos consomem um bom tempo da eterna Miss Brasil:

- Os mais próximos são o jornalista Mário Sérgio Costa, o promoter Oswaldo Marcos e o administrador Jefpe Castro. Mas todos na cidade me tratam com um carinho comovente.

As noites intermináveis nos pontos badalados do Rio-anos-dourados foram substituídas por jantares e sessões de música em bares e restaurantes locais, como o variado Bosque da Lua e o lusitano Adega do Portuga.

Nos finais de semana, costuma descansar na bela região serrana fluminense de Penedo e de Visconde de Mauá, distante cerca de 35 quilômetros de Volta Redonda.

Mas, além de tudo isso, a admiração pela Cidade do Aço teve alguma inspiração sentimental?

- De forma alguma. Não tenho ninguém na minha vida – e nem quero. Está bom assim.

A eterna Miss Brasil certamente ainda merece uma companhia que, de vez em quando, pudesse estar a menos de duas polegadas de distância.

Martha Rocha - O mito doma a crise

Revista Isto É - Vivianne Cohen

A bancarrota veio com a falência, em 1996, da Casa Piano, de seu ex-cunhado, Jorge Piano, onde estava aplicada sua fortuna. Quando soube que Jorge fugira para o Exterior após ter dado o calote em metade da sociedade carioca, Martha desmaiou.

Começava ali o calvário da ex-miss, que enviuvou aos 23 anos do primeiro marido, o empresário Álvaro Piano, pai de dois de seus filhos – Álvaro Luiz, 43, e Carlos Alberto, 42. Ele morreu tragicamente num acidente de avião na Argentina em 1960. “Minha vida não foi um mar de rosas por eu ter sido miss”, afirma.

Desde que perdeu suas economias, Martha se mudou cinco vezes. Da cobertura com vista para o mar, passou para um apartamento menor, na Lagoa. Depois, morou num apart-hotel em Ipanema. Seus móveis ficaram guardados na casa de uma amiga, na Barra da Tijuca.

O aumento no aluguel fez com que optasse por um imóvel na Rua Paula Freitas, em Copacabana. Hoje, mora num menor, na mesma rua, alugado por cerca de R$ 550. “Tenho a minha imagem. Não posso convidar as pessoas para me visitarem num apartamento como esse”, diz. “Infelizmente, me lembro do Jorge todos os dias.”

Não foi só o aperto financeiro que Martha teve de driblar. Em junho, descobriu um câncer na mama esquerda. Ela atribui o surgimento da doença aos aborrecimentos decorrentes do calote do ex-cunhado. O exame de toque revelou o nódulo e uma mamografia constatou que o tumor era maligno. Um mês depois, internou-se na Clínica São Vicente para retirá-lo.

Nessa época, isolou-se dos amigos e da família. “Quis ficar sozinha porque estava muito bem. Não me abati por causa da doença”, disse ela, que se recusou a ficar sob os cuidados de uma enfermeira e fazia seus próprios curativos. A cirurgia foi seguida por 25 aplicações de radioterapia. “Sentia muita fraqueza, sonolência e ficava irritada”, lembra. Hoje, está recuperada.


“A Martha não merecia sofrer tudo o que sofreu. Mas ela é forte”, diz a amiga Ilka Bambirra, com quem joga buraco. Não por acaso, Martha escolheu receber a equipe de Gente na tarde de sexta-feira 28, dia em que a faxineira, com ela há 32 anos, vai à sua casa. Na sala, não há mais espaço para o piano que tocava e do qual teve de se desfazer. A persiana fica sempre fechada porque a ela não gosta da vista dos prédios da frente.

PINTURA é TERAPIA Apertado entre um móvel e outro, fica o cavalete em frente ao qual Martha se posta durante grande parte do dia. Certa vez, chegou a passar oito horas pintando sem interrupção. A paixão pelas tintas teve início em 1993, quando foi convidada a pintar um quadro para uma campanha do Unicef. Gostou da experiência e passou a freqüentar o ateliê de um amigo pintor.

Em 1997, vendeu uma de suas telas, que valem entre R$ 1 mil e R$ 2 mil, para o então candidato a governador do Rio, Anthony Garotinho. Em novembro, Martha embarca para Miami, onde realizará uma exposição na churrascaria Porcão, organizada pelo produtor Luiz Augusto Diogo de Souza. Lá, reencontrará a filha Cláudia, 35, fruto da união com Ronaldo Xavier de Lima, o segundo marido, com quem viveu durante 13 anos. A pintura substituiu as sessões de terapia, que freqüentou desde os 36 anos. Além de distraí-la, os quadros também são sua fonte de renda.

As crises fizeram com que a eterna miss mudasse seus valores. Ela lembra que na década de 60 não trocava as noitadas por nada. “Era só me ligarem que já estava na rua. Adorava ver o sol nascer.” Hoje, prefere reuniões na casa de amigos e os jogos de baralho. As jóias e os vestidos também não têm mais tanta importância em sua vida.

A vaidade, porém, continua a mesma. “Não saio para ir à esquina sem colocar batom e blush.” A mulher que seduziu o País com sua beleza garante conviver muito bem com as rugas da velhice. “Se eu não envelhecesse, me sentiria mal. Hoje, a minha beleza está no que sou.”

 

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