Postado às 05h05 | 26 Mar 2020
Globo
Havia na Antiguidade a teoria de que a saúde do corpo depende do equilíbrio dos humores que correriam em líquidos, como o sangue, a fleuma e a bílis. A medicina moderna abandonou essa visão. Mas ela pode ser útil ao corpo político, como mostrou o ministro da Saúde, Luiz Mandetta, na entrevista da tarde desta quarta-feira sobre o combate ao coronavírus. Mandetta encampou o discurso de Bolsonaro de que a luta contra a Covid-19 não pode parar o país, ao contrário das recomendações de especialistas e de procedimentos adotados em outros países. Mas o ministro tentou recorrer à fleuma e ao sangue frio para repetir, com um vocabulário diferente, o que Bolsonaro disse com sangue quente.
Bolsonaro falou que governadores e prefeitos cometiam um "crime" com quarentenas para conter o coronavírus. Mandetta preferiu dizer que "o lockdown foi precipitado" em alguns estados. O presidente avisou que haveria fome se os agricultores não pudessem trabalhar. O ministro falou em colher safras.
Bolsonaro insistiu no isolamento vertical, restrito aos grupos mais frágeis perante a doença. Mandetta deixou a possibilidade em aberto, a médio prazo, dependendo de um estudo que será feito. Isso, depois de pedir que a Organização Mundial de Saúde decretasse oficialmente a pandemia e de defender mais de uma vez o isolamento total. Bolsonaro pregou o uso da cloroquina, desaconselhado pelos pesquisadores. O ministro anunciou que irá permitir o uso do remédio contra a malária nos pacientes graves infectados pelo coronavírus.
O equilíbrio dos humores segue uma lógica política. Bolsonaro não demitiria Mandetta, porque seria confirmar as notícias sobre a possibilidade. Se há algo que o presidente não gosta é de dar razão à imprensa. Mandetta, por mais contrariado que possa estar, não pode se demitir agora. Seria visto como alguém que abandonou o front no meio da batalha, o que prejudicaria sua carreira política.