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Ignácio de Loyola Brandão - "Luto pela Vida"

Postado às 09h05 | 21 Mar 2021

O impacto da pandemia na economia e no modo de vida dos brasileiros foi revelado nas ruas do País

Ignácio de Loyola Brandão - Estado

Um ano de covid. Estas imagens sintetizam nossa vida cotidiana desarranjada. Retrato de nosso dia a dia nestes últimos doze meses. Nossa vida deixou de ser o que era para se tornar um contínuo adaptar-se, angustiar-se, solucionar problemas que nunca existiram, exacerbar solidões e traumas, adquirir novos hábitos como usar máscaras, passar álcool em gel continuamente, evitar abraços, apertos de mão, dois beijinhos na face. E chorar nossos mortos, chorar.

E o medo de entrar no elevador quando há uma pessoa dentro? E quem é obrigado a embarcar em um ônibus ou metrô e espremer-se dentro da multidão, a caminho do emprego, com alguém respirando em seu cangote? O home office é para alguns privilegiados, a maioria tem de estar no escritório, fábrica, o que seja.

Tudo começou, era uma bobagem, caxumba, nada mais que uma gripezinha, disse o mandatário. E vieram os primeiros mortos, os segundos, terceiros, chegou-se a vinte, cem, duzentos, mil. Ninguém sabia o que fazer. Ninguém ainda sabe, afinal é coisa nova, mas que mata. Mata um desconhecido, mas também nossos parentes, pais, avós.

Então as mortes chegaram a mil, dez mil, cem mil. “Tomem os medicamentos por nós indicados”. O mandatário sabe o que fez, temos bilhões de comprimidos de cloroquina salvadora, milagrosa, igual a casca do ipê roxo que curava câncer. Gripezinha.

Primeira fase, segunda. De onde é esta Cepa? Cepa, o que é Cepa? O que acontece em Manaus, Araraquara, Rio de Janeiro, São Paulo? E a gente nas praias, nos cassinos ilegais, escondidos debaixo das mesas, e as ruas desertas, os toques de recolher, estamos em guerra, mas muita gente, obedecendo ao mandatário, não acredita, “não é comigo”. Frescuras, mimimis.

Não faz mal que o sambódromo esteja deserto, não há carnaval, como? Não há carnaval, malditos prefeito, governador, secretários, há um salão com baladas, bailes clandestinos, amontoamento, corpos suados, respirações nariz a nariz, e o vírus por ali, deliciado, tantos corpos a penetrar. E os médicos, enfermeiras, voluntários, a receber contaminados, mais e mais, até caírem de exaustão, ou morrerem, ou se desesperar, gritando e erguendo as mãos ao alto.

Os cem mil mortos subiram para 200, estão nos 300 mil. Filas da vida, filas da morte. Milhares a pé, ao sol inclemente, ou à chuva, ou em seus autos esperando a vacina, esperando 10, 15 horas pela vacina.
E daí? Esperando em suspense porque as doses podem acabar.

Pacientes chegando aos hospitais em ambulâncias, levados pelas famílias, amigos, conhecidos, chegando em carros, e entrando na fila.
Porque as UTIs estão superlotadas. Entrando no hospital e sendo colocados em macas em corredores, em algum canto que exista, à espera da UTI. Pacientes ouvindo médicos e enfermeiras ou atendentes ou voluntários discutindo a roleta da morte. Quem vamos salvar?

O jovem, o velho, a criança, a viúva, a noiva, o padre? Quem? Jogar porrinha e decidir. Este, aquele, aquele, este, gira gira gira girou, então é aquele ali. Acabaram os respiradores. Não tem mais. Em parte alguma nem para vender, emprestar, roubar que seja, doutor, estou sufocada, doutor não encontro o ar, está tudo tampado, o que faço. Vou morrer?

Doutor, enfermeira, hei, você, cadê minha família, meu marido, meu filho, estou sozinha, ninguém pode visitar ninguém.

De máscara, sem máscara, para que máscara, a máscara é besteira, que máscara o quê? Joguem essas máscaras na privada enfiem no... Nenhum brasileiro vai morrer, nenhum, essa doençazinha é como caspa, caxumba, vai passar, é rápida, rapidíssima.

Estas fotos são a síntese de 365 dias em que muitos se mostram solidários, correm para amparar quem precisa, outros descobrem que o exercício físico pode ser feito sem academias, famílias se unem, mas também se desunem, hora de repensar tudo, modificar, não enlouquecer, buscar clareiras na cidade, deixar as ruas desertas, tudo estranhamente fechado.

Será isto uma guerra nuclear mudando tudo, matando todos?

Isso, isolamento, que isolamento? O povo precisa viver, trabalhar, ganhar, ninguém pode viver às custas do governo, não estamos em um regime em que o Estado dá tudo, vocês reclamam muito, demais, eta povinho!

Estou fazendo tudo, tudo, tudo que é humanamente possível. Como? Não sou humano? O que sou? Impiedoso? Deus meu! Olhem, todos contra mim, governadores, prefeitos, vereadores, juristas, os guardas da esquina. A meu favor, só meus filhos e os milicianos.Vejam, estou de mãos atadas, amarradas, ninguém me deixa fazer nada, PQP, PQP, está todo mundo sendo atendido.

Estamos comprando milhões de vacinas, vacinas há, só que demoram a entregar, o mundo e a OMS estão contra nosso país

Mas cadê o povo para ser vacinado?

Tivessem seguido o que recomendei, tinha medicamentos para todo mundo, agora quero ver. Respiradores? Israel está aperfeiçoando o spray nasal, vamos comprar 220 milhões para vocês respirarem, todos vão respirar, é só aguentar um pouco, um pouco só.

Não fiquem pressionando, por enquanto cumpram os protocolos, façam seus churrascos, as praias, as barracas, os bares. Todos, não haverá um só brasileiro sem atendimento, vacina, spray nasal, cloroquina, aspirina, cibalena, óleo de rícino, óleo de fígado de bacalhau, Biotônico Fontoura!

E quando chegarmos ao milhão de mortos?

Leitores. Coloquemos uma faixa negra nas janelas com a adesão ao movimento LUTO PELA VIDA.

 

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